terça-feira, 4 de março de 2014

3437) "The Dream Years" (4.3.2014)



Este romance de Lisa Goldstein, de 1986, é uma fantasia histórica que envolve viagens no tempo, que acontecem sem nenhuma tentativa de explicação centífica.  Meu interesse nele surgiu pelo fato de ser uma exploração literária das atividades do grupo surrealista liderado por André Breton, na Paris dos anos 1920.  Leio tudo o que acho de interessante a respeito do surrealismo.  Biografias, histórias e análises são numerosas, mas, curiosamente, há poucas obras de ficção.

Naquela década Paris fervilhava com o surrealismo (que se concentrava mais na literatura e artes plásticas), a vanguarda cinematográfica (aliás, próxima do surrealismo) de Jean Epstein, Germaine Dulac, René Clair, Man Ray, etc., a pintura modernista, principalmente o cubismo de Picasso e Braque... Para não falar na agitação política de comunistas e anarquistas. Era uma cidade não muito grande pelos padrões atuais: um pouco menos de três milhões de habitantes (curiosamente, nunca passou disso). Um caldeirão de criação cultural como poucas vezes se viu.

No livro de Goldstein, o fictício protagonista é Robert St. Onge, poeta que convive no círculo de André Breton, Antonin Artaud, Paul Éluard, Louis Aragon, etc.  Vivem todos naquela pindaíba celestial, circulando pelos cafés e bulevares. Compõem poemas coletivos, contam sonhos, promovem pequenos “happenings” improvisados.  A palavra de ordem é libertar a mente das cadeias da linguagem, da moral, da educação burguesa; se possível, libertá-la inclusive das leis do espaço e do tempo.  E Robert começa a se ver transportado, através de uma mulher misteriosa, para a Paris de 1968, cheia de manifestações, bombas, barricadas, repressão policial.

São dois momentos diferentes e fascinantes da cidade, e a transição, meio mágica, aparentemente gratuita, lembra a de Meia Noite em Paris de Woody Allen: “As ruas se alongaram até o infinito e depois se contraíram. Ele esperou que elas ficassem sólidas novamente.”  Nessa aventura futurista, Robert St. Onge entra em choque com seu melhor amigo, André Breton (sempre ardoroso e dono-da-verdade) e se apaixona pela moça que veio do futuro para buscá-lo.

É um livro leve e sem grande aprofundamento; apesar de ter sido marquetado como adulto, eu o consideraria uma boa introdução ao Surrealismo para o público juvenil.  Lisa Goldstein já ganhou alguns prêmios importantes, inclusive um National Book Award para The Red Magician (1982), e publicou alguns contos interessantes na Asimov’s Magazine. The Dream Years reconstitui, em seu melhores momentos, a vida boêmia dos surrealistas, sobre a qual, ao que eu saiba, poucos romances foram escritos.


Um comentário:

  1. Luís Aranha
    Poema Pitágoras

    Meu cérebro e coração pilhas elétricas

    Arcos voltaicos

    Estalos

    Combinações de idéias e reações de sentimentos

    O céu é uma vasta sala de química com retortas cadinhos tubos provetes e todos os

    Vasos necessários

    Quem me quitaria de acreditar que os astros são balões de vidros

    Cheios de gases leves que fugiram pelas janelas dos laboratórios

    Todos os químicos são idiotas

    Não descobriram nem o elixir da longa vida nem a pedra filosofal

    Só os pirotécnicos são inteligentes

    São mais inteligentes do que os poetas pois encheram o céu de planetas novos

    Multicores

    Astros arrebentam como granadas

    Os núcleos caem

    Outros sobem da terra e têm uma vida efêmera

    Asteróides asteriscos

    Bolhas de sabão!

    Os telescópios apontam o céu

    Canhões gigantes

    De perto

    Vejo a lua

    Acidentes da crosta resfriada

    O anel de Anaxágoras

    O anel de Pitágoras

    Vulcões extintos

    Perto dela

    Uma pirâmide fosforescente

    Pirâmide do Egito que subiu ao céu

    Hoje está incluída no sistema planetário

    Luminosa

    Com a rota determinada por todos os observatórios

    Subiu quando a biblioteca de Alexandria era uma fogueira iluminando o mundo

    Os crânios antigos estalam nos pergaminhos que se queimam

    Pitágoras a viu ainda em terra

    Viajou no Egito

    Viu o rio Nilo os crocodilos os papiros e as embarcações de sândalo

    Viu a esfinge os obeliscos a sala de Karnak e o boi Apis

    Viu a lua dentro do tanque onde estava o rei Amenemas

    Mas não viu a biblioteca de Alexandria nem as galeras de Cleopatra

    Nem a dominação dos ingleses

    Maspero acha múmias

    E eu não vejo mais nada

    As nuvens apagaram minha geometria celeste

    No quadro negro

    Não vejo mais a sua nem minha pirotécnica planetária

    Rojões de lágrimas

    Cometas se desfazem

    Fim da existência

    Outros estouram como demônios da Idade Média e feiticeiros do Sabbath

    Fogos de antimônio fogos de Bengala

    Eu também me desfarei em lágrimas coloridas no meu dia final

    Meu coração vagará pelo céu estrela cadente ou bólido apagado como agora erra

    Inflamado pela terra

    Estrela inteligente estrela averroísta

    Vertiginosamente

    Enrolando-o na fieira da Via-Láctea joguei o pião da terra

    E ele ronca

    No movimento perpétuo

    Vejo tudo

    Faixas de cores

    Mares

    Montanhas

    Florestas

    Numa velocidade prodigiosa

    Todas as cores sobrepostas

    Estou só

    Tiritante

    De pé sobre a crosta resfriada

    Não há mais vegetação

    Nem animais

    Como os antigos creio que a terra é o centro

    A terra é uma grande esponja que se embebe das tristezas do universo

    Meu coração é uma esponja que absorve toda a tristeza da terra

    Uma grande pálpebra azul treme no céu e pisca

    Corisco arisco risca no céu

    O barômetro anuncia chuva

    Todos os observatórios se comunicam pela telegrafia sem fio

    Não penso mais porque a escuridão da noite tempestuosa penetra em mim

    Não posso matematizar o universo como os pitagóricos

    Estou só

    Tenho frio

    Não posso escrever os versos áureos de Pitágoras !...

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