quinta-feira, 30 de setembro de 2010

2360) A palavra texto (30.9.2010)




Para mim, esta é uma das palavras mais importantes e onipresentes do idioma. Gosto de pesquisar etimologias (passatempo tão interessante quanto jogar Sudoku ou Tetris), e fico sabendo que sua raiz indo-européia mais remota é a partícula “teks”, que significa “tecer”. O que já nos projeta no território recursivo da autodefinição, pois sem dúvida a própria palavra “tecer” vem da mesma raiz. 

Por isso, quando ouvimos falar, por exemplo, que “em Campina Grande sempre floresceu com ímpeto a indústria têxtil”, estamos nos referindo não só à confecção de roupas, mas também à prosa e à poesia.

Um verbete do saite A Word A Day comenta a palavra “subtile”, que à primeira vista parece significar “sutil”, mas acontece que “sutil” em inglês é “subtle”. O que seria esta outra? Seria talvez o que em português distinguimos como “sútil”: “composto de pedaços cosidos uns aos outros; costurado”. Basta lembrar a palavra “inconsútil”, que significa “algo inteiriço, que não foi costurado”, como a túnica de Jesus. 

Como dizia Emílio de Menezes: “Anda! Beija-me aos pés a clâmide inconsútil...” Uma coisa sutil é uma coisa que é sútil de tal maneira que é necessário um esforço para distinguir as costuras ou urdiduras do tecido.

Tecido, por sinal, é sinônimo etimológico de texto. Um pedaço de pano e um poema são a mesma coisa. Assim como um tecido, um texto não é um mero aglomerado de fios, porque se o fosse se desfaria com facilidade, mal o erguêssemos nas mãos. 

(É o que acontece com os livros mal escritos – mal a gente acaba de ler um parágrafo e passa para o seguinte, tem a sensação de que o anterior está se desmanchando e sendo levado pelo vento.) 

Assim como num pano existem a trama e a urdidura (os fios horizontais e os verticais) num texto há estruturas transversais umas às outras, que se engancham apertadamente entre si e se dão firmeza.

O interessante é que o A Word A Day indica as seguintes palavras que também vêm da raiz “teks” (tecer): arquitetura (em que o “tecer” não se dá através de fios, mas de macroestruturas), tectônico (a arte de construir, mas aplica-se especificamente às placas geológicas que suportam os continentes), tecnologia (o conjunto de instrumentos e procedimentos que se interligam para produzir uma transformação no mundo físico). 

Em tudo existe a ideia básica, que não se diluiu, de um conjunto de elementos concretos que se apóiam uns aos outros.

Não sei se algum leitor já visitou a cidade paraibana de São Bento, no alto Sertão, um pouco pra lá de Brejo do Cruz. Durante o dia inteiro escuta-se o traque-traque (ou seria melhor dizer o tek-tek?) de centenas de teares artesanais fabricando redes. 

Passei uma semana lá fazendo um trabalho e nada me fascinou tanto quanto o modo como os tecelões faziam as lançadeiras correr de um lado para outro, por entre as trocas de posição das armações da madeira, enquanto as crianças enchiam de fios as espôlas. Não percebi que todos estavam escrevendo um texto.





4 comentários:

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  3. Esse sentido opaco que toda palavra contém, que traz blindado em si, ou que traz na estampa esmaecida do tecido, é por vezes desprezado, por causa do antolhos/blinders temporal que estreita o campo de visão do falante. Penso que deveríamos colocar na nomenclatura escolar termos que sejam a auto-explicação das coisas, deflagrando o primórdio em que elas de alguma forma, mesmo que arbitrário, tenham vindo ao mundo; tenham-na colocado na "boca do trombone". E uma vez que a memória é construção feita por analogia de coisas que se comparam e se equiparam, ela se sentiria agradecida, tenho certeza, sobre o sentido intrínseco, que habita os subterrâneos da palavra, vir à tona. É por aí.
    Grande abraço, BT!

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  4. Sábia sugestão, Kadu. Com a palavra as autoridades educacionais deste país!

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