sábado, 28 de agosto de 2010

2332) Tratado Glauco de Versificação (28.8.2010)



Poucas pessoas entendem tanto de técnica do verso quanto o poeta paulistano Glauco Mattoso, ex-editor do “Jornal Dobrabil” nos anos 1970. Glauco celebrizou-se como uma vanguarda-de-um-homem-só, de uma marginalidade escancarada e escandalosa. Em seu trabalho misturam-se a impudência gay e o datilografismo como linguagem verbivisual, o concretismo e a coprofagia, o rock skin-head e o anarquismo político, o sadomasoquismo e a desconstrução metalinguística, o soneto impecável e o pecado mortal. Pode ser que em algum lugar remoto do mundo (no Butão, na Bósnia, no Camboja) exista algum poeta com fórmula parecida. No Brasil não tem.

Acaba de sair, pela editora Annablume (São Paulo) o Tratado de Versificação em que Glauco exporta para o papel impresso o copioso material teórico, exemplificado, que já estava disponível em seu saite. O nome diz tudo: é um tratado ensinando a identificar, reconhecer e utilizar as possibilidades métricas do verso. Ouso afirmar que a maioria dos poetas sérios das nossas Academias de Letras não conhece essa técnica tão bem quanto o ceguinho punk-escatológico de Vila Mariana. Eu, que também não conheço, fico feliz com a publicação do livro, porque sou gutemberguiano e paleozóico, e de agora em diante, quando tiver uma dúvida técnica (“Minha Nossa Senhora, isto aqui é um dáctilo ou um espondeu? É um heróico puro ou um alexandrino andrógino?”), basta ir à estante, em vez de ligar a geringonça cibernética e aguardar conexão.

Aviso logo que sou suspeito para falar, porque sou discípulo poético do autor e sou citado no livro, com glosas a uns motes de jaez fescenino que não me atrevo a repetir aqui, pois esta coluna é lida pela família paraibana. Glauco disseca não apenas as formas métricas clássicas do soneto, da ode, etc., mas também deita e rola na métrica da nossa poesia popular (sextilha, mourão, martelo, etc.) que ele domina com uma maestria de fazer inveja àqueles violonistas japoneses que tocam samba tão bem quanto Baden Powell.

Num artigo na revista eletrônica Cronópios, Glauco afirma, com a ortographia antiga que prefere: “As ultimas gerações litterarias se accommodaram na desculpa de que, tendo as modernas tendencias ‘abolido’ as formas fixas, todos os poetas estariam automaticamente desobrigados de dominar e até de conhecer regras de versificação. Isso me lembra um bando de alumnos relapsos que, certos da approvação pela ‘progressão continuada’, consultam seus botões: ‘Estudar p’ra que, si ja passei de anno? Apprender a compor versos? P’ra que, si ja me considero poeta e ninguem me desmente?".

A poesia marginal dos anos 1970 trouxe de volta à poesia em geral doses de irreverência, de coloquialismo, de informalidade, de palavrão, de gíria, de ludismo verbal sem compromisso. Neste processo, perdeu-se (mas não em Glauco Mattoso) um tipo de conhecimento técnico que este manual recupera. Não é por existir o rap que devemos jogar no lixo as partituras.

5 comentários:

  1. Muito bem lembrado Bráulio. Concordo com seus comentários, em especial com o o epílogo: " Não é por existir o rap que devemos jogar no lixo as partituras." A absorção do saber advém da degustação dos mananciais culturais que buscamos, ou nos são dados a conhecer; quando criticamente e sem preconcepções os introjetamos. Só não aprecio a iconoclastia e o patrulhamento.Lerei este Tratado de Versificação de Glauco Mattoso, por sua indicação.

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  2. Leia em pequenas doses. Se ler tudo de uma vez, você nunca mais acerta a falar em prosa... :-)

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  3. Este comentário foi removido pelo autor.

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  4. Ô caba bom!

    Você indicou, comprei. Pare de indicar livros, senão ficarei pobre, e tenho contas a pagar também, rsrs.

    Estou gostando, mas para mim está mais como um guia de referência caso eu precise produzir um soneto bem feito. Está na estante agora, em lugar privilegiado, esperando apenas que eu o abra e dedilhe os cantos da página para produzir.

    Acho que o livro é mais útil para poetas que para curiosos. O livro fica feliz quando alguém escreve um rondó, um soneto, uma décima, pois é para isso que suspeito que tenha nascido.

    Brilhante texto, Bráulio, sempre gostei de sua imagética prosaica.

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  5. É bom para sugerir modelos. Muitos trabalhos meus surgiram assim: ver uma forma legal, e tentar criar algo que coubesse dentro dela.

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