sexta-feira, 30 de julho de 2010

2307) O Ulisses russo (30.7.2010)



Falei aqui, dias atrás, sobre a lista do crítico Joshua Cohen sobre os livros equivalentes ao Ulisses de James Joyce em diferentes países. 

Muitos leitores torcem o nariz para Joyce. Pegaram um romance para ler, e quando abriram a primeira página depararam-se com uma cerca de arame farpado. A cerca era a prosa de Joyce. Cada linha de cada página parece feita de um arame indobrável, e espigada de espinhos dolorosos. Dez palavras desconhecidas por linha, e de nada vale socorrer-se do dicionário, o qual as desconhece também. 

O leitor arremessa o livro contra a parede, danificando a parede. Julga-se ludibriado. Ulisses (junto com o livro posterior, Finnegans Wake) é um dos becos-sem-saída mais notáveis da literatura. Produto de uma época em que a linguagem do romance alcançou liberdades iguais às da poesia. 

Esta, por sinal, é a qualidade mais elogiada no livro que Cohen considera “o Ulisses russo” – Petersburgo, de Andrei Biely, publicado em 1913. Cohen assim o resume: 

“O romance de Biely é uma bomba-relógio contando a história de uma bomba-relógio. Um jovem revolucionário, Nikolai Apollonovich, recebe a ordem de assassinar seu próprio pai, Apollon Apollonovich (um importante funcionário do Czar) colocando uma bomba em seu escritório. Começa aí uma corrida contra o relógio que dura 24 horas, enquanto Biely, um mestre do Simbolismo russo, nos faz ouvir a voz de São Petersburgo, desde a algaravia dos camponeses até o blá-blá-blá dos intelectuais”. 

O livro de Biely é anterior ao de Joyce, que só começou a ser publicado (serializado na Little Review) em 1918. Mais do que causa ou influência, predomina aí o espírito experimentalista do tempo. Um dos grandes movimentos nesse sentido ocorreu justamente na Rússia, com a poesia de Khliébnikov, Maiakóvski e outros. 

O fato de ambos os romances descreverem 24 horas na vida de um indivíduo e de uma cidade é típico da literatura urbana européia na segunda metade do século 19, quando as cidades tornaram-se tão personagens quanto as pessoas. 

Em seu blog Praxis (http://tinyurl.com/3ahkn6j), Duncan Law faz um extenso comentário do livro, e cita um trecho da introdução feita pelos tradutores ao inglês (Robert A. Maguire e John E. Malmstad), que dizem: 

“Troca de categorias gramaticais, ataques à sintaxe convencional, estranhas, (ou “impossíveis” para alguns) combinações de palavras, súbitas compressões e elipses, manipulação de sons e da semântica – destas e de outras maneiras Biely cria uma textura verbal altamente idiossincrática, que oferece surpresas constante ao leitor russo, deliciando os aventurosos e horrorizando os conservadores”. 

Descrição que caberia em Joyce e caberia em todos os gigantescos Romances Urbano-Mitológicos da Linguagem, dos quais Ulisses é o mais famoso. (Duncan Law, aliás, considera medíocre a outra tradução inglesa, feita por David McDuff, porque feita a partir de uma versão mais longa e menos modernista do romance).








Um comentário:

  1. Bela do Senhor, de Albert Cohen, também caminha na mesma semelhança ao Ulysses de Joyce.

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