terça-feira, 8 de junho de 2010

2124) Pais e filhos (29.12.2009)



A imprensa adora descobrir (ou inventar) uma pequena fábula natalina para ser encenada no fim do ano, no teleteatro a que chamamos de telejornal. A deste ano foi o destino do menino Sean, que morava no Rio de Janeiro com a família de falecida mãe, e cuja guarda era reivindicada por seu pai biológico, o norte-americano David Goldman. Não vou questionar os meandros jurídicos ou políticos da história, que vocês podem encontrar alhures na imprensa. Basta dizer que na véspera de Natal, uma providencial decisão jurídica do impertérrito ministro Gilmar Mendes possibilitou a Goldman receber o filho no Consulado dos EUA e embarcar imediatamente com ele num avião rumo à Flórida, onde o garoto deve estar (no momento em que escrevo, sexta-feira à noite) sendo apresentado aos encantos “da Disney”.

Um resumo do começo dessa história pode ser lido nesta reportagem da revista Piauí (em: http://bringseanhome.org/piaui_port.html). O processo é complicado porque, além dos detalhes jurídicos, parece ser um daqueles casos em que as duas partes, mutuamente ressentidas e magoadas, fazem e dizem coisas que só contribuem para piorar a situação. O que chama a atenção é o modo como esse “conto de Natal moderno” vem se encaixar certinho com a necessidade, por parte da imprensa (a daqui e a de lá), de ter em mãos na época do Natal um drama familiar pungente, de cortar o coração. Ainda mais este, uma polêmica boa danada para colocar em campos opostos americanos x brasileiros, pais x mães, pais x padrastos...

Isso me lembra outra história emblemática que rolou este ano, a do “Balloon Boy”. Uma família dos EUA mandou aos ares um balão cheio de hélio e alegou para a polícia que o filho de 6 anos tinha subido para a cestinha do balão antes que este se desprendesse do solo. Foi desencadeada uma busca ao balão, atravessando três Estados, e cobrindo cerca de 18km. Quando o balão caiu, nada de guri lá dentro. O pirralho foi encontrado em casa pelos pais, e a partir daí uma série de circunstâncias suspeitas levaram a polícia a concluir que tudo tinha sido um falso alarme. Os pais sabiam o tempo todo que o filho estava em casa; armaram aquele circo para aparecer na mídia e, ao que se diz, ganhar um programa de TV para si. A esta altura, já confessaram a culpa, pagaram multas, e, ao que parece, foram judicialmente “proibidos de lucrar com o episódio”. Sábia medida, porque nos EUA é comum um sujeito matar alguém famoso, ir para a cadeia, escrever um livro e ficar milionário. (Em certas culturas se dá mais importância à conta bancária do que à liberdade.)

O avião em que David Goldman levou o menino para os EUA era fretado pela rede de televisão NBC, que tem direitos exclusivos de explorar jornalisticamente o episódio. A própria TV Globo teve que exibir na íntegra o filme produzido pela NBC na viagem de volta. A diferença entre a história do Balloon Boy e esta é a diferença que existe entre amadores e profissionais.

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