domingo, 18 de abril de 2010

1925) A escova elétrica (10.5.2009)



Entre os muitos absurdos do mundo tecnológico um dos meus preferidos é a escova-de-dentes elétrica. Já experimentei essa engenhoca. Você coloca pasta, encosta nos dentes as cerdas da escova e aperta um botão. A escova começa a zumbir e a vibrar, e as cerdas se movimentam ritmicamente, friccionando os dentes. Você fica ali paradão, atrofiando os músculos do braço, enquanto o aparelho vai consumindo seus volts ou watts de energia, sugados da hidrelétrica mais próxima.

As invenções científicas surgem de um preguiçoso que fica tardes inteiras pensando: “Deve existir uma maneira de conseguir isso sem fazer força”. As invenções mecânicas básicas (a alavanca, a roldana, o plano inclinado, a roda, etc.) apareceram assim. Foram necessárias, concordo, para as grandes obras de arte arquitetônica, porque sem elas não teríamos as Pirâmides ou as catedrais góticas. Mas deram origem também a um sem-número de besteiras, principalmente nos últimos cem anos, quando o mundo ocidental industrializado foi tomado por uma febre rubegoldberguiana para a construção de engenhocas inverossímeis, abstrusas e irrelevantes, cujo único objetivo era evitar que um mané fizesse um dispêndio mínimo de energia muscular.

Quando eu era pequeno as pequenas invenções da ficção científica eram fonte permanente de inspiração para que O Preguiçoso Em Mim sonhasse com um futuro estilo Os Jetsons. Quantas vezes fiquei na mesa do almoço, tentando cortar um bife recalcitrante, e imaginando uma faca com o cabo oco, dentro do qual houvesse um mecanismo de tração, fazendo com que bastasse a gente encostá-la no bife e apertar um botão, para que a lâmina ficasse indo-e-vindo velozmente, e a gente se limitasse a apoiá-la no bife.

O controle remoto da TV já foi apontado como a grande conquista científica do século 20, maior que a energia atômica ou os voos espaciais. Só estou esperando a hora em que tenhamos um que nos permita apagar ou acender a lâmpada da sala sem que a gente precise erguer da poltrona a nossa crescente adiposidade.

Aos olhos das pessoas que inventam e fabricam essas coisas, a economia de esforço muscular se justifica por si mesma, é um bem em si, um valor absoluto. Ela tem como efeito colateral a tecnologia oposta: a do esforço muscular sem finalidade alguma: as esteiras e bicicletas ergométricas, os puxa-ferro das academias. Nada disso tem qualquer utilidade a não ser recuperar o tônus muscular que deixamos atrofiar-se usando os demais aparelhos. Isso gera o divertido círculo vicioso em que pagamos por um instrumento elétrico para que ele nos poupe esforço físico, e depois pagamos por outro instrumento elétrico para fazermos um esforço físico sem qualquer utilidade prática. Quando a FC diz que os homens um dia viverão para servir às máquinas, amigos, não estão dizendo que um dia teremos um computador na Presidência da República (embora provavelmente venhamos a ter, e rodando Windows).

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