quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

1640) Ficção interativa via Web (14.6.2008)




No tempo em que eu ainda usava máquina de escrever, e nunca tinha nem chegado perto de um computador, escrevi um conto de ficção científica (“Paperback Writer”) em que num futuro remoto as pessoas se reuniam num teatro para assistir um concerto de literatura. O concertista subia ao palco, sentava ao teclado, e começava a escrever; o texto aparecia num telão ao fundo do palco, sendo lido por toda a platéia. Em momentos-chave da história, o escritor parava e pedia sugestões à platéia sobre o que deveria acontecer em seguida. No braço de cada poltrona havia um teclado com um “menu” de opções, e cada espectador votava numa delas. Na tela, aparecia a opção escolhida pela maioria; e o concertista recomeçava a escrever, direcionando a história de acordo com a vontade da platéia.

Não era preciso conhecer computadores para saber que eles se prestariam a coisas assim, porque o gérmen disto já existia desde os folhetins europeus do século 19. As telenovelas de hoje pesquisam através do Ibope para colher opiniões sobre o destino preferencial dos personagens – quem morre, quem casa com quem, quem é premiado, quem recebe castigo. E os leitores mais jovens devem conhecer as incontáveis séries de livrinhos do modelo “Escolha sua Aventura”, nos quais, ao fim de cada capítulo, o leitor se depara com opções tipo: “Se você quer que o detetive desça para examinar o porão, vá para o capítulo 25. Se prefere que ele saia e persiga o vulto que avistou no bosque, vá para o 31”.

Uma experiência de literatura interativa foi iniciada no saite da Underland Press (http://www.underlandpress.com/wovel.cfm), onde o escritor Brian Evenson está escrevendo uma história que mistura zumbis e trama policial, e os leitores votam nos momentos cruciais da história. Eles chamam a isto “Wovel” (“web novel”), e aqui vai a descrição fornecida no saite:

“Toda semana, o autor posta um segmento da história. Um segmento tem a duração ideal para leitura online: longo o bastante para manter o interesse, curto o bastante para poder ser lido no escritório, durante o trabalho. No fim de cada segmento, o autor coloca um ponto de bifurcação. Deve a heroína matar seu amante? Os zumbis agarrarão o soldado? A caixa está vazia, ou cheia de insetos? Os leitores decidem. Na 2a-feira, o texto é postado. A votação dos leitores se estende até a 5a. O autor escreve o segmento seguinte na 5a. e 6a. Os editores editam a página na 6a. e sábado. O novo segmento editado vai ao ar na 2a. Parte literatura, parte cadáver-delicado, reunindo o ritmo do jornalismo impresso, a imaginação da ficção, e a centelha da participação dos leitores”.

A referência ao “cadáver-delicado” recorda um jogo dos surrealistas dos anos 1920, com esse nome, em que várias pessoas escreviam um texto coletivo, sem ver o que os demais haviam escrito. O uso da Web pode trazer para a história centenas, talvez milhares de votantes. É um dos muitos caminhos para a ficção atual.

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