sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

1584) Glauber vs. Madureira (10.4.2008)




O pessoal mais zombeteiro chama o Rio de Janeiro de “Capital do Factóide”. No Rio, quando nada de importante está acontecendo, inventa-se uma desimportância ruidosa, para que as moças da TV tenham a quem entrevistar, e para que os jornalistas sem assunto, como eu, resolvam o problema-de-sísifo intitulado “A Coluna de Hoje”. Feita esta ressalva, não posso deixar de comentar o factóide carioca mais recente. O “casseta” Marcelo Madureira, participando de um debate, disse: “Glauber Rocha é uma merda”. Foi o que bastou para que a cidade se mobilizasse em dois exércitos opostos. Me lembrei daquele dia em que Glauber falou: “O General Golbery é o Gênio da Raça Brasileira”.

Os intelectuais saíram em defesa de Glauber, é claro. Cartas aos jornais, artigos, reuniões de desagravo, exibições de filmes, e tudo o mais. Me solidarizei com isso, porque considero Glauber o maior cineasta brasileiro, e considero que seus três filmes realmente bons (Deus e o Diabo..., Terra em Transe, O Dragão da Maldade...) estão entre os melhores do mundo. Como se não bastasse isso, a pessoa pública de Glauber, como agitador cultural, foi algo que fez um bem enorme ao Brasil, e continua fazendo.

Acho melancólico o presente factóide porque toda essa repercussão é uma demonstração de força, não de Glauber, mas de Marcelo Madureira. A cidade inteira se mobilizou em função de uma imprecação desdenhosa que Madureira proferiu num momento “blasé”. Madureira (que não conheço pessoalmente) é um competente redator de humor para a TV, mas falando é uma espécie de Edmundo “Animal”, diz tudo o que lhe vem à cabeça. Se o que diz provoca tal comoção nos intelectuais, mostra apenas a reversão que houve no país. As manifestações de desagravo não comprovam a importância de Glauber, e sim a de Madureira. Comprovam apenas a fragilidade da imagem e do conteúdo de Glauber num país onde os poderosos não são mais os cineastas de vanguarda, e sim os humoristas de TV.

Digo isto sem preconceito de classe, porque eu também sou um humorista de TV (consultem meu currículo). E os humoristas são necessários por isso mesmo. Humorista é para ser irreverente e iconoclasta. O humorista é o ato-falho da consciência coletiva, aquele que diz o que estamos pensando mas jamais diríamos. É aquele que em plena corte pergunta ao Rei, diante da Rainha, se ele troca de cueca com a frequência com que troca de amante. Qualquer outro que dissesse isto iria para o machado e o cepo, mas o Bobo não.

A importância de Glauber independe da opinião de Marcelo Madureira sobre ele (e da minha). E não importa se para cada brasileiro que já viu um filme de Glauber existem 100 mil que já assistiram Casseta & Planeta. Os intelectuais esperneiam diante dessa provocações, mas adianta tão pouco quanto a rã de Galvani espernear sob uma corrente elétrica. Glauber Rocha e Marcelo Madureira são, cada um, exatamente o que fazem.

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