terça-feira, 19 de janeiro de 2010

1543) O caçador de pipas (22.2.2008)



Esse tal de Mercado é uma coisa engraçada. Para os que mandam na cultura, ele é hoje o Júpiter Tonante, o Todo Poderoso. Os índices de Ibope, de bilheteria ou de vendagem são o crivo-de-Eratóstenes que elimina todo o redundante e chancela apenas o essencial, o que vale pra valer, o que são favas contadas. Vender é o que importa. Para eles, cultura que não pode ser vendida é inútil para o artista, e cultura que não precisa ser comprada não vale nada para o consumidor.

Sinal dos tempos, sinal do Fim dos Tempos, mas em vez de me cobrir de saco e cinza prefiro sentar no batente da janela, apontar a luneta e secretariar as peripécias. Por exemplo: sou um fã do filme Blade Runner, de Ridley Scott, que considero um dos 10 (ou um dos 100, ou um dos 435) clássicos da FC. Vi várias vezes, revi em VHS, depois em DVD. Em 1992 saiu a versão do autor (“Director’s Cut”) em que Scott cortou uma porção de coisas impostas na época pelo produtor. E agora, em 2007, saiu o chamado “Final Cut”. Das duas uma: ou os produtores esperam que o consumidor guarde lado a lado todas as versões, ou espera que a mais recente invalide as anteriores (e quem me garante que daqui a pouco não virá mais uma, invalidando a atual?).

O Mercado se volta hoje para os “completistas”, para aquela faixa endinheirada e fanatizada do público que, quando gosta de uma obra, está disposta a comprar todos os subprodutos dela. O grande sucesso livreiro atual é O Caçador de Pipas de Khaled Hosseini, cuja edição normal está à venda por R$ 39,90. Para quem já a leu, foi lançada (e está vendendo bem) a edição ilustrada, por R$ 69,90. Se não bastar, o cara pode comprar por R$ 29,90 o áudio-livro. O filme já está passando nos cinemas; em breve sairá em DVD, e... o céu é o limite. O Mercado ordenhará o texto de Hosseini sob todas as formas possíveis, até a última gota de leitura.

Alguns anos atrás, um cantor de sucesso se queixava: “Tenho canções inéditas suficientes para dois discos, mas a gravadora não aceita. Só querem regravações, discos temáticos, tributo a Fulano, homenagem a Sicrano. Só querem regravações de canções já conhecidas. Ninguém quer arriscar no novo”. A filosofia por trás disto é que se o público demonstra interesse por algo vale a pena oferecer-lhe essa mesma coisa sob qualquer pretexto. Reedições de livros com novo prefácio de A, nova introdução de B e comentário crítico de C. Versões remixadas de discos, versões remontadas de filmes. Versões colorizadas de filmes em P&B (isto, felizmente, parece que nunca colou). Regravações incontáveis de canções de sucesso. “Sessões Nostalgia” em que são recuperados até mesmo os filmes detestados trinta anos atrás (o bang-bang italiano, a chanchada, a pornochanchada, o filme-de-monstro japonês). Na defensiva, aposta-se na máxima do “um pouco mais daquilo mesmo”. Sinal de um Mercado em crise, apavorado, apegando-se à minoria que tem muito dinheiro e não sabe muito bem onde gastar.

Um comentário:

  1. Blade Runner também é um dos meus favoritos....tendo vivido em Los Angeles por um bom tempo e acompanhado as suas fases como comunidade é impressionante como semelhante se aproxima da do diretor ....

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