sábado, 8 de agosto de 2009

1184) Mortes absurdas (29.12.2006)




(Albert Camus)

Um filósofo como Albert Camus me repreenderia o título pela obviedade, pois para ele toda morte é absurda. Mas convenhamos que umas são mais (como direi?) pinturescas do que as outras, mais rococós, mais fora-de-esquadro. Por exemplo: agora em novembro, nos EUA, Mariesa Weber, de 38 anos, sumiu de casa um belo dia, e a família deu parte à polícia. Pensaram em seqüestro, mas ninguém fez contato. Aí, duas semanas depois, começaram a sentir um cheiro estranho. Alguém se lembrou de olhar atrás de uma estante, (que ficava um pouco afastada da parede) e encontrou o corpo de Mariesa, morta, de cabeça para baixo. Ao que parece, ela tinha subido numa escrivaninha e se inclinado sobre a estante para ajeitar um plugue numa tomada que ficava ali atrás. Escorregou, caiu de ponta-cabeça, e segundo a polícia ficou desacordada numa posição em que lhe era difícil respirar.

É o tipo de morte que (com todo o respeito) parece contar com uma certa boa-vontade involuntária por parte da vítima. Outros casos, contudo, são mais misteriosos. Em abril deste ano, na Itália, um casal de namorados morreu na mesma hora em dois acidentes diferentes, a quilômetros de distância um do outro. Mario Monucci, de 29 anos, morreu por volta da meia-noite na cidade de Forli, quando sua moto se chocou com um poste. Na mesma hora, o carro de sua namorada Simona Acciai, de 27 anos, saiu da estrada e caiu num fosso. A polícia local registrou os dois acidentes e só depois de algum tempo percebeu que o endereço das duas vítimas era o mesmo.

Romancista algum ousaria colocar este segundo episódio num romance. Por quê? Porque fatos assim só chamam a nossa atenção quando acontecem na vida real, onde não vigora nenhuma interferência roteirística. O que ocorre na vida ocorre por Acaso, e por isto as coincidências nos assombram. Num romance, uma coincidência nos faz dar de ombros: “E daí? Aconteceu assim porque o autor quis”. Usar coincidências, num texto de ficção, para resolver um problema dramático ou um nó narrativo é prova de preguiça ou de falta de talento.

Uma morte apenas esquisita, como a do primeiro caso narrado acima, poderia aparecer num romance sem nos causar muita estranheza. Seria meio sem sentido, meio improvável, mas teria o mesmo teor de estranheza que tem numa página de jornal. O segredo de usar episódios com este grau de improbabilidade é não dar-lhes uma função importante demais na trama – para não parecer que o autor recorreu a isto para facilitar as coisas em seu próprio proveito. Mortes casuais precisam ter no texto de ficção o mesmo caráter fraturado com que irrompem na vida real, como resultado de uma combinação boba de detalhes. Têm a verossimilhança dos fatos da vida quando nos pegam de surpresa, e nos mostram que por mais que planejemos a vida jamais aboliremos o Acaso, e que o que chamamos Destino não passa de uma rima entre dois Acasos sem outra relação entre si.

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