quinta-feira, 4 de junho de 2009

1074) “Eu me prostituí por mordomias” (25.8.2006)



Eric D. Snider, jornalista free-lancer de Portland, foi banido pela Paramount Pictures de todas as entrevistas coletivas e pré-estréias patrocinadas pela produtora. Motivo: ele aceitou um convite para participar de um destes eventos, e em vez de escrever uma matéria elogiosa, contou tudo que aconteceu e perguntou: “Será que é preciso gastar tanto dinheiro, de uma maneira tão idiota, sob o pretexto de divulgar um filme?” O artigo intitula-se “I was a junket whore”, “Eu me prostituí por mordomias” (“junket” significa algo como “mordomia, boca-livre”), e pode ser lido em: http://www.ericdsnider.com/snide/i-was-a-junket-whore. Snider viajou de Portland a Seattle para cobrir o lançamento de “World Trade Center”, de Oliver Stone. Ganhou duas diárias num hotel de luxo, 125 dólares para alimentação, e o direito a duas conversas de 20 minutos, com mais seis jornalistas, com atores do filme e com os personagens reais que eles interpretam, e por fim mais 20 minutos com Oliver Stone.

Snider embarcou na empreitada achando que havia algo de errado, e já disposto a criticar. Mas seu julgamento é sensato, bem argumentado, com alguns toques de humor mas evitando o tom frívolo da imprensa “pop”. Um dos jornalistas presentes com ele ao papo com Oliver Stone mencionou de modo casual em sua coluna, dias depois: “Acabei de lanchar com Oliver Stone: uma bandeja com frutas e queijo, além de bolachas, nas quais ele mal tocou, limitando-se a pedir café. Stone disse que decidiu lançar uma versão reeditada de Alexandre...” Ou seja: o sujeito passa para seus leitores a sensação de que é importante, de que teve um lanche-a-dois com uma estrela de Hollywood. Na verdade, eram seis jornalistas de um lado da mesa, Stone entrou, cumprimentou todos, de um por um, respondeu as perguntas, tomou café, voltou a cumprimentar todos, e saiu para a próxima entrevista.

Diz Snider, sobre seus coleguinhas: “Quando eles falavam sobre filmes, não falavam se eles eram bons ou maus. Falavam sobre quem aparecia neles, e como eram essas pessoas. O cara de Vancouver parecia pensar em filmes somente em termos de quem eram as estrelas e se ele conseguira ou não entrevistá-las. A idéia de criticar um filme, discutir seus méritos como arte ou como entretenimento, pareciam-lhe totalmente estranhas. Eu, como crítico de cinema, achava aquilo inquietante, uma versão Mundo Bizarro do mundo em que vivíamos eu e meus colegas”.

Entre passagens de avião, táxi, hotel e alimentação, a Paramount gastou 1.100 dólares com Snider, para não falar no aluguel das suítes onde transcorria a entrevista, os lanches, etc. e tal. Pergunta ele: multiplicando isto por todos os jornalistas-de-aluguel que participam, será que vale a pena, em termos de ingressos vendidos? Isto pode ser considerado divulgação, mesmo do ponto de vista estritamente financeiro dos balancetes da empresa (deixando-se de lado questões como ética jornalística, importância da crítica de cinema, etc.)?

Um comentário:

  1. Braulio, que bom ter acesso aos seus escritos lúcidos. não falaria nunca da merenda que comí com Milton Nascimento, mas da grandiosidade da sua música. quero muito trocar ideias poéticas com você, já que comungamos e escarramos versos na mpb. um imenso abraço MURILO ANTUNES

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