sábado, 4 de outubro de 2008

0572) “Hoje é Dia de Maria” (18.1.2005)



A Globo exibe a minissérie Hoje é Dia de Maria (http://hojeediademaria.globo.com/), onde numerosos contos populares são alinhavados em seqüência, como se tivessem todos acontecido à mesma pessoa. Pequenos episódios, lendas, historietas dos tempos da infância, com pássaros encantados, madrastas cruéis, crianças perdidas no bosque, lugares enfeitiçados onde nunca anoitece, e assim por diante. O texto de Carlos Alberto Soffredini justapõe esses episódios com habilidade. A menina que foge de casa devido aos maus-tratos da madrasta torna-se o fio condutor da história, por entre novos ambientes e novos personagens.

O aspecto mais evidente e mais encantador do trabalho é a sua concepção de espaço. Uma cúpula utilizada no Rock in Rio serve de cenário único, uma redoma onde os diversos cenários são colocados lado a lado, em 360 graus, e cuja face interna possibilita qualquer tipo de “efeito de céu”, através de pintura e iluminação. Os episódios se sucedem dando ao espectador a sensação de um espaço que sempre muda mas que é sempre o mesmo, um espaço paradoxalmente finito e ilimitado, que corresponde intuitivamente ao universo mental das histórias infantis, onde tudo pode acontecer, mas sempre no interior de determinadas regras.

Por outro lado, a minissérie tem a liberdade de utilizar elementos não necessariamente tradicionais ou rurais, como é o caso dos executivos de paletó que andam numa moto com “side-car”. Os elementos mecânicos e visuais são todos brilhantes: os pássaros de metal, os cavalos sobre rodas, as fornalhas, os figurinos surrealistas... O que mais destoa é o sotaque. A Globo deveria desistir de imitar sotaques, porque nunca dá certo. Era muito melhor deixar que os atores falassem num tom neutro, colocando aqui e ali um termo típico para dar um tempero. Italiano, espanhol, nordestino, caipira... Não adianta: ou fica ininteligível, ou caricatural.

Luiz Fernando Carvalho é um dos diretores que mais aprofundaram o senso de realismo na dramaturgia da Globo, com Renascer, O Rei do Gado, Os Maias, refinando uma concepção estética que também está por trás de seu excelente filme Lavoura Arcaica. Hoje é Dia de Maria segue outra linha de sua obra: a linha fantasista dos especiais Auto de N. S. da Luz (1992) e A Farsa da Boa Preguiça (1997). Uma linha inspirada no teatro-de-circo, nos contos maravilhosos tradicionais, onde se misturam o real e o fantástico. Esta minissérie pertence a um espaço dramatúrgico que vem se expandindo de uns quinze anos para cá. É uma “estetização do rural-popular”, visível no trabalho teatral de Antonio Nóbrega, Gabriel Vilela, Moacyr Góes e outros. Uma recriação do “interiorzão brabo” que por um lado deve a Monteiro Lobato e Ariano Suassuna, e por outro indica influências do cinema de Fellini, Chaplin, além de lembrar filmes isolados como Aventuras do Capitão Tornado (Ettore Scola) ou Aventuras do Barão de Munchausen (Terry Gilliam).

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