segunda-feira, 10 de março de 2008

0190) O mundo e o computador (30.10.2003)




Por que motivo tantas pessoas, geralmente homens, se viciam em computador? Eis um mistério que outras tantas pessoas, geralmente mulheres, se esforçam em vão para desvendar. Tenho um amigo que acabou um noivado por causa do computador. Ele acordou às 8 da manhã de um sábado, e ligou o PC, porque precisava pegar algo na Internet para resolver um problema de vírus. Às 10 a noiva ligou: “Não esqueça que hoje tem o casamento do meu irmão.” Ele: “Pode deixar.” Ao meio-dia ela ligou de novo: “Me pega às 4, o casamento é às 5.” Ele: “Tá combinado.” Às 2 da tarde, ela voltou a ligar: “É melhor eu pegar você. Passo aí às 4.” Ele: “Tudo bem.” Ela ligou do celular às 4:30: “Estou aqui em baixo.” Ele mandou subir. Ela subiu, abriu a porta com sua chave, e o encontrou sentado diante do computador, de cueca, em jejum, a barba por fazer, os dentes por escovar. Quando ela começou a chorar e esbravejar, ele disse: “Mas, por que você não avisou que o casamento era hoje?”

Mania? Psicose? Não sei, só sei que muitas amigas já choraram metaforicamente no meu ombro suas lamentações pelo fato do marido passar as madrugadas pulando de saite em saite, ou esperando horas pela chegada de um arquivo que, uma vez instalado, revela ser apenas um protetor-de-tela com espaçonaves atirando umas nas outras. Não adianta dizer que muitos saites são utilíssimos: têm textos difíceis de conseguir, letras de rock progressivo, teses de doutorado de universidades escocesas, estatísticas sobre alpinismo ou Fórmula-1, mini-câmaras mostrando como está o trânsito naquele momento na Quinta Avenida. Se fosse só isto, estava explicado; mas tem gente que passa a noite testando programas, instalando fontes, otimizando o disco rígido.

Acho que o que mais nos seduz num computador é o fato de sabermos que, ao contrário do Universo, tudo nele foi colocado com um propósito. Nada num computador se deve ao Acaso; pode até se dever a um erro ou à burrice de quem programou, mas foi posto ali por alguém. Quando examinamos a fundo um mistério qualquer da natureza, nosso trabalho não é o de um detetive que tenta reconstituir o raciocínio do “autor do crime”. A Natureza é um crime sem autor. O Universo não tem propósito: ele simplesmente aconteceu. Num computador, não. Quando a gente tem dificuldade de executar um programa, ou de instalar um jogo, ou de anexar um arquivo a um email, a dificuldade é nossa, mas a coisa funciona. Foi feita para funcionar. Se a gente insistir, acaba descobrindo.

Esta humilde esperança teleológica é o queijo que nos atrai à ratoeira cintilante onde, uma vez presos, vemos se esvaírem as horas, os dias, os noivados. Um computador é um labirinto, mas se encontrarmos o caminho certo, chegaremos onde queremos. Já o mundo, ou o coração feminino, nada nos garantem. Ah, se as noivas, ou o Universo, nos dessem esta mesma certeza: a de que a resposta existe, e que tantas noites de perguntas não foram em vão.

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