Quando os Beatles desembarcaram pela primeira vez nos
EUA, em 1964, deram mil coletivas de imprensa. Um jornalista perguntou:
– Por que a música de vocês deixa as pessoas tão
excitadas?
Houve um segundo de hesitação no grupo, e John Lennon disse:
– Não sabemos. Quando descobrirmos, vamos criar um novo
grupo e ser empresários deles.
Os Beatles tinham uma enorme capacidade de improvisar
respostas ao vivo. Não eram as respostas espertas, ensaiadinhas, das coletivas
de hoje em dia. Hoje, todo artista tem alguns publicitários criativos em sua
equipe, que lhes entregam uma lista das prováveis perguntas e das respostas
espirituosas que ele deverá decorar para “ter na manga”.
E nos “encontros com a imprensa” de hoje, há, muitas vezes,
um jornalista arraia-miúda a quem foi fornecida uma pergunta para ele fazer na
hora H, servindo de “escada” ao artista, em troca de dois convites para o show.
(Se eu fosse empresário de artista rico, subornaria jornalistas sem o menor
remorso. Quem se vende é porque não vale nada.)
Os ingleses chamam de repartee
a frase espirituosa dita num repente. Funciona tão bem que dá a impressão de
que a pergunta (que era uma provocação) fica parecendo uma “deixa” para o cara
exibir a resposta que trazia prontinha.
Não trazia. É improviso mesmo. Naquela mesma coletiva,
alguém pergunta: “Quando vocês vão cortar o cabelo?” e George Harrison responde
de bate-pronto: “O meu eu cortei ontem.”
É resposta decorada? Não. Provavelmente era verdade.
Claro que os Beatles aparavam aquelas trunfas, principalmente antes de estrear
uma turnê grande. E muitas vezes a verdade é a última coisa que se espera numa
resposta assim.
O improviso espirituoso não é apenas uma resposta
inteligente, é uma resposta que depende totalmente do modo como a pergunta foi
feita. Muitas vezes a graça implica em distorcer o sentido de algum termo da
pergunta. Nessa mesma coletiva (ou em outra) perguntaram aos Beatles: “Como
vocês acharam a América?”. A pergunta, é claro, indagava sobre o estado de
espírito dos fãs, à sua chegada. Lennon respondeu: “Virando à esquerda quando
chegamos na Groenlândia”.
Bob Dylan, na sua fase sarcástica e sardônica de 1966
(aquilo que hoje está sendo chamado de “The Cate Blanchett Period”) era outro
que não deixava por menos. Um pomposo entrevistador perguntou-lhe uma vez:
– Você tem idéia do alcance de suas canções?...
E ele disse:
– Olhe, tem as que alcançam três minutos, outras alcançam
cinco, e outras, acredite se quiser, alcançam os dez ou doze minutos.
Muitos dos nossos melhores repentes, essas respostas
instantâneas capazes de guilhotinar uma pergunta em um segundo, surgem assim
porque já tínhamos pensado naquela pergunta e em nossa cabeça se formou, se não
a resposta pronta e definitiva, pelo menos uma idéia de como essa resposta
deveria ser.
Uma expressão francesa, “esprit d’escalier”, indica aquelas ocasiões melancólicas em que
essas respostas arrasadoras, espirituosas, só nos ocorrem quando estamos na
escada, indo embora da festa. Não importa. Perguntas embaraçosas ou
provocativas costumam se repetir. A gente guarda a resposta boa. Eu já preparei
uma resposta assim e guardei por mais de 25 anos; quando a pergunta veio,
tirei-a do bolso sem pestanejar, e a mesa inteira aplaudiu.
G. K. Chesterton tem um ótimo livrinho de contos
interligados, The Club of Queer Trades (1905),
em que os personagens inventam profissões extravagantes, maneiras bizarras de
ganhar a vida em Londres. A certa altura, menciona-se um cara que é “o
Shakespeare do dito espirituoso”, a alma das festas, o cara que tem sempre uma
frase engenhosa para desarmar o interlocutor.
Conto vai, conto vem, ficamos sabendo no final que esse
cara espirituoso é apenas um dos clientes de um sujeito que prepara conjuntos
de frases-e-respostas, e numa ocasião social qualquer, combinadamente, dá as
“deixas” para que o cliente (qualquer um que pague bem) pronuncie sua frase de
espírito e faça o maior sucesso. É a profissão dele: Facilitador de Respostas
Espirituosas.
“Armações” à parte, a resposta de bate-pronto existe, e
cada um de nós já presenciou inúmeros exemplos. Políticos mineiros são
especialistas nisso: Tancredo Neves, Benedito Valadares, José Aparecido de
Oliveira...
(busto de Antonio
Marinho em S. José do Egito, foto BT)
Os cantadores nordestinos são, além de poetas,
repentistas, ou seja, são capazes de raciocínio rápido e resposta perfeita. Conta-se
que o mestre Antonio Marinho, de São José do Egito, tinha um compadre chamado
Irineu. Um dia estava em casa e a esposa do compadre lhe surge à janela da rua,
perguntando:
– Compadre Antonio, o senhor viu Irineu?...
E ele:
– Não. E fôro?...
É o tipo da coisa que só é engraçada na pronúncia
dialetal sertaneja. “O senhor viu irem n’eu? (=irem em mim)?” – “Não!... E foram?!...”
O genro de Antonio, o famoso Lourival Batista, era um dos
gatilhos-verbais mais rápidos do Nordeste. Lá vinha ele caminhando
despreocupado pelas ruas de São José, quando um conhecido o saudou de longe,
acenando da calçada oposta:
– Tudo bem, “Lourivarrr”?...
E ele, impassível:
– “Regulal”...
São gracejos que ninguém poderia “trazer pronto” para
responder no momento adequado; é algo concebido e executado no espaço de
segundos. Nenhum de nós tem a verve repentística de Marinho ou de Louro, mas
pode se dedicar à nobre arte de prever perguntas e preparar respostas.
E nesse aspecto lembro um caso contado pelo meu saudoso
amigo Arievaldo Vianna, que vinha cruzando uma praça e dele se aproximou um
doido que perambulava por ali pedindo dinheiro. O doido chegou e
disse:
– Me dê uma grana pra provar que está com Deus. Se Deus
estiver do seu lado, um bandido bota a arma na sua cabeça, aperta o gatilho, a
arma encrenca e não dispara.
Arievaldo:
– Sim, mas e se a arma for novinha, e disparar?
O doido:
– Então é porque você estava pronto pra ir ao encontro de
Deus!