Ele cita o clássico filme de aventuras
marítimas, O Motim do Bounty, e diz que
o título dá o tom do que o público deve esperar: “Seria muito diferente se o
filme de chamasse O Belo Navio Bounty”.
(Creio que o título do filme no Brasil foi O
Grande Motim.)
“Todo título é uma promessa”, foi o que afirmou Jacques
Derrida, segundo li por aí. Se ele não disse isso, deveria tê-lo feito, porque
a frase é perfeita, e a idéia que contém bate perfeitamente com a proposição de
Hitchcock.
O título prepara nosso espírito para o que vamos ver – e
o que vamos ver pode ser uma surpresa, ou uma confirmação, ou uma reviravolta,
ou um enriquecimento do que foi prometido.
Há um divertido romance inglês de crime, O Assassinato de Minha Tia (“The Murder
of My Aunt”, 1934), de Richard Hull. Vou dar agora um spoiler, mas acho que dificilmente algum leitor há de ler esse
livro, que li na edição portuguesa da Colecção Vampiro.
O narrador passa o livro inteiro planejando diferentes tentativas
de matar uma tia rica e herdar o dinheiro dela (ele é um desses rapazes
ingleses que preferem ir para a forca do que trabalhar). Nas últimas páginas do
livro (estou citando de memória, com décadas de atraso), ele escreve que está
se sentindo esquisito, que bebeu alguma coisa oferecida pela Tia, e diz:
“Percebo agora, com horror, que o título que dei a estas páginas tanto pode
significar “O Assassinato De Que Foi Vítima a Minha Tia” quanto “O Assassinato
que Minha Tia Cometeu”. E o livro acaba aí.
É um desses casos raros, e brilhantes, em que o título do
livro é absolutamente claro e absolutamente enganador.
(Aliás, depois que redigi este artigo, fui pesquisar o
texto em inglês do livro e vi que o final é completamente diferente do que eu
recordava. Não mexi no texto porque sou honesto, e também porque o sentido do
meu comentário se confirma, ainda que de outra maneira.)
Voltando a Hitchcock, será que na própria obra dele há
exemplos de sua tese, exemplos em que o título “põe uma pulga atrás da orelha”
do público?
Pensei num contra-exemplo que me parece didático. O
famoso Um Corpo Que Cai (1958, com
James Stewart e Kim Novak) é baseado num romance francês chamado D’Entre Les Morts, título que passa a
idéia de alguém que volta “dos mortos”. O filme inteiro se baseia na volta
(fictícia e real) de uma mulher que se supõe morta e que mostra estar viva.
Mas Hitchcock intitulou o filme Vertigo (=vertigem) e transferiu o foco para o detetive que tem
medo das alturas, outro ponto essencial do roteiro. Por que? Certamente (aqui é
mera conjetura minha) para deixar que a idéia da “volta de entre os mortos” se
construísse sozinha na mente do espectador, ao longo da narrativa. Também é uma
estratégia aceitável.
(North by Northwest)
O título de Intriga
Internacional (1959, com Cary Grant) é em inglês “North by Northwest”,
“Norte por Noroeste”, que parece não indicar nenhuma direção clara na
rosa-dos-ventos. Tinha justamente a função de mostrar um indivíduo totalmente desorientado, arrastado por
acaso numa trama de espionagem que não lhe diz respeito. O título no Brasil
poderia ter sido “Cego em Tiroteio”.
Por outro lado, Hitchcock tem The Lady Vanishes (1938), onde uma trama de espionagem faz
desaparecer de um trem em movimento uma velhinha aparentemente inofensiva. O
romance original se intitula The Wheel
Spins (“A Roda Gira”), e não há dúvida de que neste caso o diretor pôs a
sua fórmula para funcionar. (Em português, o filme ficou como “A Dama Oculta”,
que para mim é inferior a “A Dama Desaparece”.)
Que outros exemplos a gente pode achar, de suspense
induzido pelo título?
Agatha Christie tem um romance chamado Por Que Não Pediram a Evans? (“Why
didn’t they ask Evans?”, 1934). Essa é a frase pronunciada por um homem no
instante de morrer, no primeiro capítulo. O livro mostra a investigação feita
por um casal de jovens detetives amadores, e só nas últimas páginas se
esclarece quem era esse misterioso “Evans” e por que não lhe pediram algo – uma
informação crucial para a solução do homicídio.