O linguajar
nordestino não consta apenas de palavras exclusivas, palavras que só se usam
por lá. Também inclui expressões, frases-feitas, “ditados” compostos por
palavras que todo mundo usa, mas numa combinação diferente. Por isso, gera mal
entendidos de vez em quando, porque quem é de fora fica tentando colocar essas
palavras tão familiares num contexto diferente.
Quer se parecer
Parece um
pouco; lembra um pouco. “Aquela moça ali na mesa do canto quer se
parecer com uma prima minha”. “Chegando
lá você procura Fulano, é um cara baixinho, que quer se parecer com Getúlio
Vargas”. O “quer se...” não implica
vontade por parte da pessoa: funciona apenas como atenuante, em casos onde
dizer “Fulano se parece com Sicrano” seria
exagerar a semelhança.
Fazer besouro
Acho que em todas as escolas, de todos os continentes, em
todas as épocas, garotos e garotas fizeram isto. Consiste em produzir um zumbido
com os pulmões e as cordas vocais, mas com a boca fechada e o olhar
inocentemente posto em alguma coisa inofensiva: “Mmmmmmm...” O professor levanta o olhar, vê a turma aparentemente
entretida com seus deveres e exercícios, ninguém abre a boca, mas o zumbido
irritante se eleva, e parece vir de todos os lugares ao mesmo tempo. Quando a
turma está fazendo besouro no auge, de vez em quando um mais atrevido eleva um
barulho de avião-dando-rasante: “Mmmmm...
uuuóóóóóiinnn... mmmmmm...”
Pagar o novo e o velho
Pagar pelos
mal-feitos antigos e pelos mais recentes; pagar os pecados. “Venha
cá, seu cabra, que você agora vai me pagar o novo e o velho!” “Eu só estou esperando chegar em casa, que
esses meninos vão me pagar o novo e o velho”.
Existe a variante “pagar o grosso e o fino”:
Eu juro pelo meu rifle
que o Padre José Paulino
cai sempre na ratoeira
e paga o grosso e o fino;
não há de casar mais homem
nem batizar mais menino.
(Leandro Gomes de Barros, "Antonio Silvino, o rei dos cangaceiros", em "Literatura popular em verso, Antologia, Tomo II", pag. 108)
Cobrar xêxo
Está aí uma expressão complexa. “Cobrar xêxo” (o acento é
necessário, para não deixar dúvida quanto à pronúncia) é jogar pedrinhas ou
bolas de papel amassado, em alguém, não para machucar, mas para irritar. “Xêxo”
significa pedrinha, “seixo”. Mas “passar um xêxo” também significa “calote, cano,
o ato de se escapulir sem pagar a conta”. Talvez por causa disso quando alguém
joga uma bola de papel etc noutra pessoa, diz que está “cobrando um xêxo”, ou
seja, cobrando algo que o outro supostamente lhe deve.
Bater pino
Recuar, desistir, fugir vergonhosamente diante de uma
situação difícil. “A gente combinou que
ia reclamar das notas com o professor, mas quando foi na hora uns dois ou três
bateram pino e foram embora”. Também
se usa para qualificar uma pessoa: “Eu
não confio em combinar essas coisas com Fulano, ele é muito batedor de pino, já
umas duas vezes deixou a gente na mão.” Também
se usa assim, para descrever a ação: “Vocês
viram o discurso do ministro Fulano ontem na TV? Eita batida de pino da porra!”
Queimar o chão
Partir
bruscamente. “Ele disse que ia ficar aqui no fim-de-semana, mas quando deu no sábado
de manhã ele queimou o chão e na hora do almoço estava em João Pessoa.” Por analogia a um carro que arranca de
maneira brusca, queimando os pneus no asfalto.
Maldar
Interpretar com malícia um fato qualquer. “Você não devia sair sozinha com seu namorado
e chegar uma hora dessa, os vizinhos ficam maldando”. Também se usa uma forma atenuada, apenas para
indicar que se está atento para segundas intenções, ou para detalhes pouco
esclarecidos: “Esse livro diz que é
primeira edição, mas eu maldo que é uma reimpressão, porque fui comparar com a
que eu tenho e vi que nele já tem alguns erros corrigidos”.
Pegar ar
Enraivecer-se, ficar furioso, ficar puto. "Fulano
anda muito nervoso... Já é a segunda vez
que eu digo uma brincadeira besta e ele pega ar comigo". "A
gente acertou uma laranja no bandeirinha... rapaz, ele pegou um ar que só tu
vendo!" "Me disseram que ela achou não sei o que na carteira do marido e
pegou o maior ar com ele."
"Não pegue ar, não, rapaz!
Você sabe que eu tô só brincando!" Origem: talvez o fato de que o sujeito
irritado "incha" como um pneu sendo enchido de ar.
Ir por dentro
chupando imbu
Ir caminhando, sem pressa e sem afobação. Usa-se muito quando se quer diminuir a importância de ir a pé; para dizer que o trajeto não vai ser tão cansativo assim. O “por dentro” sugere a tomada de algum atalho, e o imbu (ou umbu) entra na história como complemento fantasioso, como quem diz: “Fica tranquilo, eu vou por aqui, me distraindo”.