1
A Mansão dos Espelhos (1944, técnica mista), de Dag Seenkmaier, é um curioso experimento em perspectiva e profundidade de campo, e já mereceu vários estudos, principalmente de professores da Universidade de Cracóvia. Misturando bico-de-pena, aquarela e óleo sobre tela, com quatro metros por três, é o retrato minucioso do salão principal de uma mansão em estilo do século 18. Vê-se uma parede com livros, alguns poltronas, uma porta à direita que dá para um corredor, outra porta à esquerda que dá para outro aposento. Seenkmaier colocou no fundo do corredor que se vê à direita um espécie de porta chapéus, com um espelho à altura do rosto. Nesse espelho é possível ver um aposento circular interno, com várias portas e janelas que dão para diferentes partes do edifício. Cada espelho reflete outros espelhos situados em ângulo, de modo que observando-os com uma lupa é possível conhecer a mansão por inteiro. O detalhismo na reprodução dos objetos e do cenário faz com que mesmo em alguns trechos do quadro com apenas alguns centímetros quadrados de área seja possível discernir detalhes como a capa e o título de um livro visto sobre um anteparo, ou a data num calendário afixado na parede (críticos mais perspicazes descobriram uma descontinuidade entre as datas mostradas em dois calendários, vistos em pontos diferentes da casa), ou o fato de que sobre uma mesa de toucador num quarto do primeiro andar há um par de óculos com uma das lentes quebrada.
Luciana Alucinada (2002, acrílico sobre tela), de Aluísio Reis. Um retrato da noiva do artista, pintado com acúmulo de massa acrílica endurecida, em relevos que chegam a dois centímetros acima do plano da tela. Rotulada pelo artista como “pintura corográfica”, essa técnica requer a instalação de diferentes fontes de luz incidindo sobre a tela, criando jogo de sombras, e (de acordo com a cor da lâmpada) produzindo novas misturas de cores. O espectador é convidado a manipular os controles da iluminação, extraindo combinações imprevisíveis. Em função dessas interferências, e do ângulo de visão do observador, o rosto da mulher retratada dela assume aleatoriamente a aparência de uma folha de urtiga, de uma máscara bantu, de um palhaço com barba, de um galgo com focinheira, de um rosto tipicamente Modigliani, de uma bandeja oval com hors d’oeuvres, e até mesmo de Dorotéia, a irmã mais nova de Luciana.
A Ceia dos Cardeais (1874, óleo sobre tela), de Gustavo Ayala y Trueba. Esta pintura anticonvencional pode ser admirada numa sala especial do Mosteiro de la Escudería, em Toledo, onde se encontra desde que foi concluída e doada ao Mosteiro pelo autor. Consta de quatro telas independentes mas com uma só imagem que se prolonga de uma para outra. Cada uma delas mede seis metros de largura por 33 cm de altura, e juntas reproduzem uma longa mesa onde se assentam 64 cardeais durante uma ceia fictícia, numa visualização semelhante à da Última Ceia de Da Vinci. Cada tela mostra dezesseis cardeais, perfeitamente individualizados em detalhes como feições, vestimentas, pratos e copos, tudo reproduzido com minúcia quase fotográfica. Apesar do aparente realismo, os historiadores estão de acordo em afirmar que nenhuma das imagens corresponde a qualquer cardeal da Igreja da época da pintura, ou mesmo de épocas anteriores. Não se sabe se algum dos 64 tipos foi pintado a partir de modelo vivo ou se são todos frutos da imaginação do artista. Um documento de doação conservado no Mosteiro sugere, de forma oblíqua, que o próprio pintor (de quem não foi preservada nenhuma imagem) retratou-se a si mesmo entre o grupo, mas opiniões divergem quanto a qual dos cardeais o representaria. O fato de que os quatro quadros se estendem de parede a parede faz com que eles fiquem situados por cima das portas de acesso ao aposento, que ademais está totalmente vazio.
Esposa Surpreendida na Sesta (1952, óleo sobre tela), de Werner B. Foehr. A imagem é enquadrada por trás de um divã. O ponto de vista do observador revela, mesmo à sua frente, a porta – aberta num movimento brusco (a mão do homem ainda segura a maçaneta, o braço está levemente desfocado numa sutil sugestão de movimento). Ele traja terno escuro, um sobretudo cinza com gola de peliça. Aparenta uns cinquenta anos, tem um cavanhaque grisalho de aspecto prussiano. O rosto (com expressão de surpresa) é magro mas colérico, avermelhado, denotando um indivíduo de notável vigor físico e paixões intensas. Seus olhos estão voltados para o divã e neles há uma expressão de indisfarçável concupiscência. O que vemos da mulher? Quase nada. O divã, que vemos por trás, é uma massa escura, difusa, de tons negros, cinzas e marrons. Na extremidade à nossa esquerda surgem dois pés femininos, descalços, muito brancos, de formas delicadas, com tornozelos convidativos. Os pés estão um sobre o outro numa atitude de relaxamento, de descanso. Na extremidade oposta do divã, vê-se uma mão também numa posição lânguida, pendida, os dedos relaxados, e é possível ver as unhas não muito longas, mas pintadas de vermelho-sangue. O corpo está oculto, mas percebe-se que está nu, pois sobre o tapete, junto ao divã, há roupas jogadas descuidadamente, um roupão, e peças íntimas de renda. Com um pouco mais de atenção, percebe-se que de frente para o divã, à esquerda do homem imobilizado no umbral, há um imponente armário de mogno, cuja porta escura e lustrosa reflete a silhueta imprecisa do divã de estofado escuro, e do corpo esguio que nele repousa e se alonga, felinamente. O homem à porta contempla o corpo morno, macio, com pele de marfim, pérola e alabastro; e sabe que está perdido para sempre.
Composição K-68-33 (1925, técnica mista), de Yuri Saavdrovich. Como representante da escola destrutivista que floresceu em Berlim durante a República de Weimar, Saavdrovich especializou-se na produção de pinturas com forte questionamento ao suporte tradicional. Este quadro consiste numa moldura de 5 por 4,2 metros, em cuja área interior não foi presa uma tela, mas foram colados, pregados e aparafusados entre si inúmeros objetos feitos de materiais diferentes: madeira, louça, pano, papel, vidro, gesso, etc. Sobre a superfície (necessariamente irregular) de cada um desses objetos foi pintada uma cena diferente, e como a maioria deles são utensílios tridimensionais é preciso que o “quadro” fique exposto num espaço aberto (o meio da sala), e assim os espectadores podem apreciar por inteiro cada objeto pintado: um sapato de couro coberto por uma paisagem da tundra siberiana, uma xícara de chá com peixinhos dourados, um cesto de vime com um balancete fiscal em nanquim, uma camisola feminina com lantejoulas multicores formando a imagem de uma boca, um pássaro empalhado coberto por uma cena de batalha em guache, um exemplar do Fausto com as páginas presas por parafusos, um bueiro metálico de esgoto coberto por um sol sorridente, um fuzil cheio de olhos. No canto superior direito, quase inacessível, há um leque de madrepérola, pendurado num cordão de seda; ao abri-lo, encontra-se a assinatura do autor, coberta por uma colagem de moscas mortas.