Há muitas histórias fantásticas em que personagens de
tempos atrás são trazidos ao mundo moderno, por meios mágicos ou meios
tecnológicos.
Num levantamento de memória, lembro o conto de James
Blish “A Work of Art” (1956), em que o compositor Richard Strauss é revivido
artificialmente. Há também o conto de Ian Watson “O Conferencista Fantasma” (“Ghost
Lecturer”, 1984; publicado na edição brasileira da Isaac Asimov Magazine, # 22) em que o filósofo romano Lucrécio vem parar
num laboratório britânico. E o mestre Robert Silverberg ganhou um Prêmio Hugo
com a noveleta “Enter a Soldier. Later: Enter Another” (1989) em que o filósofo
Sócrates e o conquistador espanhol Francisco Pizarro são “resgatados” e
colocados frente a frente.
O Brasil não poderia estar de fora! Machado de Assis nos
presenteou com “Uma visita de Alcibíades” (em Papéis Avulsos, 1882), em que o efebo dos banquetes atenienses vem
bater papo no Rio de Janeiro... mas invocado por técnicas do espiritismo.
É um subgênero com variantes possíveis em muitas
direções. Uma que sempre despertou minha curiosidade foi: será possível criar
uma simulação de computador capaz de escrever como um autor famoso da literatura? Uma espécie de
“Teste de Turing” literário, em que seriam submetidas a uma banca examinadora
algumas páginas de teor literário. Umas foram escritas por prosadores famosos.
Outras, por uma simulação.
Usei computador pela primeira vez em 1991. Meu primeiro
processador de texto foi o WordStar. Depois, o Word Perfect. Finalmente o
bilgueiteano Word, onde resido, resignado, até agora. Desde o início eu já via
algumas feituras no “Help” desses programas: Suas frases estão muito longas... Há muitos adjetivos... Você usa
verbos na voz passiva 30% a mais que Hemingway e 33% a mais que Scott
Fitzgerald...
Não estou mentindo. Tinha isso mesmo, no WordStar de trinta anos atrás.
Hoje em dia, esse departamento avançou bastante, e já temos computadores
produzindo versos ao estilo de Dylan Thomas.
https://mundofantasmo.blogspot.com/2010/03/1832-o-algoritmo-dylan-thomas-2212009.html
Não por outro motivo fiz o narrador do meu conto
“Stuntmind” (1989) dizer:
Volto à biblioteca. Sento diante de um dos micros, escolho programas ao acaso (De Assis, De Camp, De Quincey, De Sade...), troco cartas durante algumas horas.
Um grupo de pesquisadores de software está justamente
criando programas de produção de textos que são alimentados com todos os dados
possíveis de todas as biografias de Lord Byron, toda sua correspondência, todos
os depoimentos de seus contemporâneos. O programa é capaz de dar busca em todo
esse gigantesco banco de dados (sua “memória”), comparar versões, desmentir
testemunhos, etc. Para acompanhar o processo, eles contratam uma moça
especialista em Byron, para checar se está indo tudo bem. E ela começa, por assim dizer, a trocar cartas com Byron.
Todo mundo sabe que Lord Byron era um nobre
semi-arruinado, que tinha um pé coxo, que apesar disso era bonitão e cheio de
carisma, que era um conquistador inveterado, que teve numerosos casos amorosos
com homens e mulheres, variando do simples flerte malicioso até as “vias de
fato”; era um pegador emérito, e diz-se que chegou a ter um filho com a própria
meia-irmã. Um personagem inteligente, incômodo, fascinante, atormentado, bom de
verso.
Tudo isso transparece no “Byron” cibernético, criador
pelo Professor e monitorado por um casal de técnicos, sempre designados como o
Assistente e a Assistente. Quem dialoga mais com “Byron” é Anna, a especialista
no Byron histórico, capaz de dizer aos técnicos: “Isto aqui é típico dele” ou
“Não, ele jamais diria isso”, e assim por diante.
“Byron”, consultado sobre as refeições em Cambridge,
responde:
I DON’T EAT THERE OFTEN. IT WAS NOT CONSIDERED FASHIONABLE TO DO SO. BUT THEY RAN THE PLACE LOKE A HOSTEL, AND A D––D EXPENSIVE ONE TOO.
Anna comenta:
Acho que o “damned” substituído por travessões está correto, mas não creio que Byron teria usado a palavra “fashionable” (=na moda) nesse contexto. Soa como uma expressão muito recente. (p. 87)
O programa foi alimentado, em forma codificada, com todos os detalhes e todos os fragmentos de informação disponível sobre o poeta e sua obra. (...) Embora o programa arquive tudo relativo a Byron, ele guarda um grande número de fatos que ele desconhecia, e outros que ocorreram após sua morte; esses dados eram mantidos em separado. (p. 17)
O mais divertido são os trechos em que “Byron”, numa
espécie de fluxo-de-consciência inacessível aos pesquisadores, dá sua própria
versão da vida do Lorde, sempre deixando claro que sabe ser uma espécie de
simulação. Irrita-se com o excesso de curiosidade deles, ridiculariza suas
interpretações, compadece-se, com ironia, dos erros que cometem.
E também comenta os fatos posteriores a sua morte:
Deus misericordioso! William Lamb, Primeiro Ministro da Inglaterra? Ainda bem que não vivi para presenciar tal coisa. (p. 97)
Concordamos desde o início quanto a este aspecto: cada parâmetro pode ser alterado ligeiramente, para menos ou para mais, para promover ajustes, e pode ser alterado de volta a sua posição original; mas nenhum deles pode ficar sendo modificado constantemente sem provocar repercussões no sistema. (p. 110)