Saiu recentemente pelo selo Alfaguara (da Companhia das
Letras) um romance que traduzi há algum tempo e que agora estou folheando para
recordar algumas passagens.
Conclave (2016) de Robert Harris conta os bastidores de uma história que sempre tive alguma curiosidade de conhecer: a eleição de um Papa pelo Colégio dos Cardeais, em Roma. Para quem quiser saber em detalhe como são os rituais, os procedimentos, os regulamentos, os critérios, me parece uma boa introdução ao assunto.
Harris é um autor de vários best-sellers, dos quais traduzi também há pouco tempo Munique, onde ele conta o complicado processo
da negociação e assinatura do Tratado de Munique em 1938, entre a Inglaterra e
a Alemanha. Um tratado que ainda hoje dá muito o que falar, porque adiou por um
ano o começo da II Guerra Mundial. Para uns, deu tempo a que Hitler se
fortalecesse, e revelou fraqueza por parte do Primeiro Ministro inglês, Neville
Chamberlain. Para outros (o livro mostra isso, não sei até que ponto é
rigorosamente fiel aos fatos), Chamberlain conseguiu ganhar tempo e preparar a Inglaterra para a guerra, que era mesmo inevitável àquela altura.
Harris é um pesquisador cuidadoso, e em Conclave ele produz ao mesmo tempo um
romance histórico, um romance de mistério e um thriller de suspense.
Romance histórico porque ao fim e ao cabo está retratando
um processo de transição do poder numa das instituições mais antigas e mais
politizadas do mundo, a Igreja Católica Romana. Como diria com ironia o pessoal
de Campina Grande, “ali dentro só tem menino inocente”. É uma alcatéia de
políticos lupinos que, independentemente da verdade e do ardor de sua fé
mística, são capazes de... Bem, leiam o
livro.
Um romance de mistério porque há umas três ou quatro situações
inexplicáveis que o protagonista, o Cardeal Lomeli, precisa entender por
completo, o que lhe exige um certo trabalho detetivesco, que ele cumpre sem a
tranquilidade filosófica e sem o faro dedutivo do Padre Brown de Chesterton,
mas com uma coragem moral admirável.
Um thriller de suspense porque no transcorrer das
votações, com cardeais se tornando sucessivamente favoritos ao Papado, vão surgindo inevitavelmente
os problemas, as denúncias, as suspeitas, os confrontos, e tudo que envolve a
revelação brusca de fatos que alteram por completo o equilíbrio das forças em
jogo.
Mesmo quando as verdades que desvela são (para ele)
estarrecedoras, Lomeli, que é o decano do Colégio dos Cardeais, a quem cabe
organizar e conduzir a eleição do novo Papa, não deixa de lembrar:
Conclave (2016) de Robert Harris conta os bastidores de uma história que sempre tive alguma curiosidade de conhecer: a eleição de um Papa pelo Colégio dos Cardeais, em Roma. Para quem quiser saber em detalhe como são os rituais, os procedimentos, os regulamentos, os critérios, me parece uma boa introdução ao assunto.
Claro que uma cópia chegaria à imprensa mais cedo ou mais tarde. Isso acontecia com tudo. O próprio Cristo não havia profetizado, de acordo com o Evangelho de Lucas, que “nada há de oculto que não se torne manifesto, e nada em segredo que não seja conhecido e venha à luz do dia”? (p. 207)
A experiência de traduzir um livro assim também se torna interessante por outro aspecto. Quando a gente traduz um livro de ficção científica, que transcorre em outro planeta, etc., depende inteiramente de duas coisas: a capacidade de descrição do autor, e a capacidade de visualização do leitor/tradutor. É um ambiente que não existe, precisa ser imaginado, e a experiência nos ensina que há escritores excelentes para conceber enredos extraordinários mas com poucas luzes para reproduzir a imagem visual de um ambiente, seja um deserto alienígena, uma cidade futurista ou o interior de uma nave.