Digo paraibês por comodidade, mas muitas das falas listadas aqui são patrimônio vocabular de todo o Nordeste, e se brincar de outros Estados do Brasil. (Este “se brincar”, por exemplo, me parece paraibês puro, mas certamente não nos é exclusivo.)
Gosto de anotar essas frases, que me trazem o sabor de uma linguagem regional com muito mais força do que palavras isoladas.
AÍ É QUE O CANCÃO PIA -- Equivale aproximadamente a “aí é que a porca torce o rabo”.
NA LAPA DO MUNDO – De mundo afora; pela vastidão do mundo. “Pois é, cantador de viola é como caminhoneiro, tem que viver na lapa do mundo”.
No mundo das mudernage
Não parava de sonhá
Só sonhava com fartura
Riqueza, luxo e gozá
Foi premêro sem segundo
Ganhou a lapa dos mundo
E nós fiquemo pro cá.
(Jessier Quirino, “Cumpadre Zé de Cirila foi morrê em Boi nos Are”, em Paisagem de Interior, pag. 49)
E BOTE FORÇA -- Um aditivo de quantidade, em expressões como: “Ela já é meio coroa... deve ter uns 40 e bote força”. “Fulano ficou de passar lá em casa onze horas, mas quando apareceu já era meio-dia e bote força”.
PARADA FEDERAL -- Expressão elogiosa: “Fulano é parada federal! Entrou faltando dez minutos, fez dois gols e virou o placar!” Frequentemente se abrevia para “Fulano é parada!”. Também se usa: “Não provoque Fulano não, que a parada ali é federal”. “Parada”, curiosamente, se usa no mesmo sentido de agora, de qualquer situação ou circunstância com que a gente se envolve; os jovens dizem: “Vou numa parada ali e volto já”.
EMENDAR OS BIGODES -- Brigar; ir às vias de fato. “Eles nunca tinham simpatizado um com o outro, mas ontem no bar emendaram os bigodes de verdade.”
BOTA POR CIMA! – Desafio furioso que se grita quando um motorista "tira um fino" na gente. Subentende-se o sentido de « Passa por cima de mim ! » "Eita, fila da puta! Bota por cima! Se é pra matar a gente, mata logo!"
UMAS-E-OUTRAS -- A acepção principal (esta generalizada em todo o Brasil) é de “uns tragos de bebida”: “Vamos tomar umas-e-outras ali no bar da esquina”. Esta acepção tem também uma forma intensificada, quando se fala de bêbados inveterados: “Fulano não toma mais umas-e-outras: toma algumas-e-muitas.”
O segundo uso deste termo é um tratamento meio distraído, meio desdenhoso, que se dá a uma pessoa pouco importante (um criado, um moleque, um estranho ao grupo), por desinteresse de perguntar-lhe o nome: “Ô umas-e-outras, pega esse dinheiro aqui e me compra uma carteira de cigarros”. “Mas Fulano, isso é hora de chegar! Só não lhe dou um esporro porque você trouxe o umas-e-outras aí com você e eu não quero dar má impressão.” É omo se dissesse: “esse Fulano aí”.
SE EU CAIR POR CIMA DE TU, SÓ FICA O PROJETO -- Ameaça brincalhona que se faz a alguém, geralmente para destacar a diferença de estatura física entre os dois.
GARÇONETE NA CEIA LARGA -- Usa-se para dizer ironicamente que uma mulher é muito mais velha do que aparenta, ou do que afirma ser. “Quem? Fulana, tem 25 anos? Rapaz, aquela ali foi garçonete na Ceia Larga!” A Ceia Larga é a “Última Ceia” de Cristo com os apóstolos.
MAIS DIFÍCIL DO QUE TANGER UMA CORDA DE CARANGUEJOS -- Comparação brincalhona, usada geralmente num contexto semelhante: "Andar com cinco meninos por dentro dum Parque de Diversões é mais difícil do que tanger uma corda de caranguejos." Uma "corda" é o modo como os caranguejos são comercializados, amarrados em conjunto num arranjo circular com um "pegador" vertical por onde se segura (não se compram caranguejos isolados, e sim “cordas”).
No caso, subentende-se que a "corda" foi desfeita e alguém está tentando fazer com que os caranguejos soltos corram todos numa só direção.
"POEIRA EM ALTO MAR" -- Quando alguém pergunta: "Qual é o filme de hoje?", recebe como resposta um título imaginário e cheio de nonsense. “Poeira em alto mar” é o mais frequente; outros são: “As Tranças Louras do Rei Careca”, “Judas Cagando no Deserto e Limpando o Cu com Areia”, e “A Volta dos que Não Foram”. Uma versão mais sacana é o filme “Centelha Vermelha no Escuro” (=sentei-lhe a vermelha no escuro).
CAPAR O GATO -- Sair de fininho; ir embora de um lugar sem maiores delongas. “A festa estava boa, mas quando deu meia noite, a gente capou o gato e foi beber no bar.” Mudar de planos: “Ele disse que ia pra aula, mas quando chegou na rua capou o gato e foi pro cinema.”
TIRA O DEDO! -- Frase brincalhona que se grita, à distância ou às escondidas, quando se vê um casal de namorados trocando carícias muito íntimas em público. Há uma piada antiga onde, ao ouvir o grito, o namorado, que é um sujeito musculoso, se dirige a um cara magrinho que estava meio distante, e o agarra pela gola: “Foi você que mandou tirar o dedo, cabra safado?”, e o magrinho responde: “Eu mesmo não! Por mim o senhor pode ficar com o dedo lá o tempo que quiser!”
QUEM DISSO USA, DISSO CUIDA -- Pessoas acostumadas a certas práticas desonestas são as primeiras a se prevenirem contra elas. “--Disseram que o Campinense vai pedir exame anti-doping pro jogo de domingo que vem. -- Só pode! Quem disso usa disso cuida!” R. Magalhães Jr. registra: “Gato ruivo, do que usa, disso cuida”, e cita os últimos versos da estância IX do Canto II de Os Lusíadas: “Que onde reina a malícia, está o receio / Que a faz imaginar no peito alheio.”
COSTURO VOCÊ MAS NÃO COSTURO SUA SORTE -- Frase que se pronuncia enquanto, por uma razão qualquer, se costura a roupa de alguém sobre o próprio corpo (para fazer um remendo, ou para experimentar uma roupa nova ainda em acabamento, etc.). Com isto, afasta-se a possibilidade de trazer azar para a pessoa.
COÇANDO A ORELHA DO VALETE -- Diz-se de alguém viciado em baralho. “O pai dela é muito metido a moralista, mas no fim-de-semana ele vai pro clube e passa a noite coçando a orelha do valete”. É uma alusão visual ao cacoete repetitivo do jogador que fica puxando a pontinha da última carta que tem na mão. Uma variante: “Puxando a orelha do valete”.
MIL NOVECENTOS E COCADA -- Expressão para designar uma data remota no passado, da qual não se quer nem tentar lembrar com exatidão. “Esse vestido deve ter estado na moda um dia, mas foi em mil novecentos e cocada”. Também se diz: “Mil novecentos e lá-vai-fumaça”.
DAR UMA GUARIBADA – 1) Examinar superficialmente; fazer uma avaliação rápida de um objeto ou uma situação. “Eu nem entrei na festa: dei uma guaribada de longe, mas achei que estava muito cheia, e resolvi não entrar”. “A revista está ótima, eu dei uma guaribada na banca, e comprei na mesma hora”. 2) Fazer uma revisão geral em algo, consertando os defeitos e aproveitando para fazer pequenos melhoramentos. "Vou dar uma guaribada no carro, porque estou pensando em viajar neste fim de semana". Neste sentido, equivale a "dar uma geral".