1
Bartolomeu Correia Juçá, 66 anos, foi encontrado vagando
na Praça Nossa Senhora da Paz, no Rio de Janeiro, e levado a um asilo. Tinha um
documento com esse nome e a data de nascimento, e só. Não lembrava quem era.
Não estava no Google, nem na Previdência Social. Dizia apenas que de repente
acordou e estava ali, não lembra de nada que lhe aconteceu antes. Assistentes
sociais e jornalistas pesquisaram todas as pistas possíveis, e nada
encontraram. Era como se o mundo também não lembrasse mais quem ele era.
2
Lazslo Sandoi, 38 anos, foi descoberto ao chamar a
atenção dos guardas e dos guias do Rijksmuseum, de Amsterdam, porque todos os
dias entrava ali, sempre trajando a mesma roupa, e se postava na sala das
“casas de bonecas”, onde ficava olhando para elas e chorando. Abordado, não
soube dizer quem era nem o que fazia ali. Quando as notícias e fotos saíram nos
jornais, alguém o identificou: era húngaro, representante comercial, tinha ido
à Holanda a trabalho, e até aquele episódio nunca tinha sofrido nenhum problema
neurológico ou emocional. Levaram-no de volta ao seu país, sob terríveis crises
de nervos, apaziguadas apenas quando os médicos lhe forneceram copiosas
fotografias das casas de bonecas que desencadearam o processo.
3
A Menina do Patriarca, 10 anos aproximadamente.
Encontrada na Praça do Patriarca (São Paulo), sem documentos, aparentemente em
estado de choque. Roupas novas, de boa qualidade. Saúde perfeita. Dentes bem
tratados. Não dava mostras de entender o que lhe perguntavam. Foi mostrada em
todos os telejornais. Foi conduzida a um abrigo. Não aparentava problema
mentais e eventualmente conseguiu executar por iniciativa própria tarefas como
dobrar roupas e lençóis, folhear revistas (não dava indicações de saber ler,
mas manuseava as páginas com evidente familiaridade). Não demonstrava
iniciativa para alimentar-se, ir ao banheiro. Está assim há dezenove anos.
Nunca falou uma palavra sequer.
4
Charles Aronne, 47 anos, industrial, residente em
Toulouse. Depois de um AVC, perdeu a capacidade retentiva da memória e vive
recluso em casa, onde passa os dias, os meses e o anos maravilhando-se todos os
dias com a beleza e a solicitude de sua esposa Marianne, de seus filhos Michel
e Sophie, e de todos os amigos que se revezam diariamente contando-lhe quem é,
o que já fez, do que gosta, em que acredita. Uma ou duas vezes por ano equipes
de TV francesa e estrangeira vão entrevistá-lo: as entrevistas, vistas uma após
a outra, parecem ter sido concedidas por diferentes pessoas, pois em cada época
Aronne dá mostras de estar compondo uma identidade para si próprio a partir das
conversas mais recentes que teve com as pessoas que lhe são próximas. Teve que
reaprender a assinar o próprio nome, para poder firmar os documentos que os
sócios trazem à sua casa.
5
Patrício Morais de Lautério, 49 anos, funcionário
público, Belém do Pará. Aposentou-se por invalidez depois de ataques de amnésia
que prejudicavam sobremaneira seu trabalho na repartição, e seus contatos com a
família. Atualmente mora em casa, rodeado por parentes. Depois de vários dias
em que está aparentemente normal, ele acorda sem saber quem é, mas acometido de
um curiosidade intensa sobre os objetos em volta. Pergunta à família para que
serve o travesseiro, o chinelo, a janela, a gaiola com pássaro, o prédio em
frente. Pergunta a cada pessoa quem é, o que faz, do que gosta, que comidas
prefere, que tipo de música escuta, qual sua cor favorita, que livro levaria
para uma ilha deserta. Não dá mostras de
reconhecer a família, mas é gentil com todos. Isso dura um dia inteiro, até o
próximo sono, do qual desperta normal e com um pouco de enxaqueca. Depois de
mais de um ano de exames, os médico constataram que esses ataques ocorrem
exatamente de 39 em 39 dias, mas além disso nenhum outro dado científico foi
comprovado.
6
Lenny Grady, 40 anos, bluesman de Nashville, perdeu
completamente a memória num acidente de carro aos 36 anos, mas foi cuidado com
desvelo pela esposa Geraldine e pela filha Suzanne, até conseguir um relativo
grau de autonomia. Perdeu a capacidade de falar e de lembrar as informações
mais elementares, e durante meses permaneceu em casa, vagaroso, meio
cambaleante, afável, sorridente, distraído, mas capaz de manter o próprio
asseio e de se alimentar sozinho. Certo dia, um amigo o visitou levando o
violão e nesse momento ele pareceu despertar parcialmente, pediu o instrumento
e começou a cantar, meio hesitante, com a voz “enferrujada”, mas improvisando
versos com relativa fluência para alguém naquele estado. “Nunca esquecerei
aquele momento,” disse Suzanne, “quando ele dedilhou as cordas e me agradeceu
pelo hamburger que eu lhe servira uma hora antes, dizendo apenas que estava
muito apimentado, e estava mesmo, aquilo foi como um raio de luz numa noite
escura, e desde esse dia tudo que ele quer dizer ele diz cantando... Só não
lembra de nenhuma das músicas que fez.”