1
Eu
me lembro de quando minha Tia Adiza começou a comprar para mim, por volta de
1959, pelo Reembolso Postal, a coleção das Obras Completas de Conan Doyle
(Edições Melhoramentos, a coleção vermelha/azul/verde), e me levava no Correio
para que eu tivesse o gosto de receber pessoalmente o pacote (vinham 2 livros
por mês). E me lembro de ir lá de novo em 1974, para receber livros de Jorge
Luis Borges da Ed. Emecé, no mesmo balcão, no mesmo guichê, à esquerda de quem
entra.
2
Eu
me lembro de quando eu tocava nos Sebomatos (portanto foi em 1969) apareceu em
Campina um dinâmico produtor que dizia se chamar John Louis, ou Johnny Lewis,
já que nunca vimos o nome dele por escrito; vinha vender um show de Bob Lester,
o cantor de rock e sapateador, acho que já sessentão, naquela época. Precisava
de uma banda local para acompanhar o ídolo, e tinham indicado a gente. No
espaço de 24 horas arranjou-se divulgação, ensaio, o Teatro Municipal, uma
venda de ingressos da qual não faço idéia, porque tudo que a gente queria era
tocar num palco de verdade, e cantar em microfones (a gente tinha guitarras e
amplificadores, mas ensaiava na guela). O sucesso foi absoluto e felliniano.
3
Eu
me lembro dos bichos empalhados que tinha na vitrine da loja Palacinho da
Criança, onde minha mãe e minha tia levavam a gente para admirar, ali numa
transversal da Maciel Pinheiro. A loja era pequena, mas a vitrine tinha os
bichos em pose bem real e uma iluminação meio mágica. Vizinho à loja ficava o
caldo de cana de Hipólito, onde quinze anos depois ficaria exposta a foto dos
Sebomatos, porque o fotógrafo era Telmo.
4
Eu
me lembro do dia em que o Brasil ganhou a Copa do Mundo de 62, porque na de 58
eu não era torcedor ainda. Agora já. Me lembro depois do fim dos 3x1 sobre a
Tchecoslováquia (era um país que tinha naquele tempo) eu parado no terraço da
casa dos meus pais no Alto Branco, olhando à minha frente o perfil completo da
cidade enquanto ela pipocava em foguetões, chega parecia uma purpurina
rebrilhando. Lembro de uma crônica de alguém que li na época celebrando a
vitória, que foi de virada: “...o tímido sorriso de esperança com o gol do
empate, de Amarildo; a alegria esfuziante do gol de Zito; e o grito uníssono de
vitória com o terceiro gol, de Vavá”.
5
Andei
relendo uns livros da saudosa Coleção Futurâmica, das Edições de Ouro. É uma
pulp fiction tipo filme B. Vai do pior clichê à coisa mais inesperada e tem
pelo menos um livro genial: “A Cadeia das 7” (La Mort Vivante) de Stefan Wul, e
os paradoxos temporais de F. Richard-Bessière. Lembro de quando os livros de
bolso começavam a ser vendidos em Campina, a partir de 1959. Meu box preferido era um da parte de
trás do Abrigo Maringá, lá dentro mas virado para a praça. Surgiu nessa época aquele
tipo de display de metal giratório, com escaninhos onde se podiam amontoar
vários títulos. Depois, já em meados dos anos 1960, abriu a poucos metros dali, nas primeiras portas da
descida da Irineu Joffily, virada para o Capitólio, uma lojinha montada pelas
próprias Edições de Ouro. Era um espaço minúsculo e muito bem aproveitado,
forrado de escaninhos de alto a baixo.
6
Eu
me lembro dos tempos do Cineclube de Campina Grande em que a gente programava
filmes que só eram disponíveis nas distribuidoras do Recife. A gente reservava o
aluguel por telefone. No dia da exibição (que era à noite) um de nós pegava o
ônibus de manhã para o Recife, chegava lá 4 horas depois, ia a pé da antiga
Rodoviária para a distribuidora, que ficava perto do Mercado São José. Se
identificava, pegava o filme, que era uma caixa de madeira, com alça de couro,
amarrada com tiras de couro e fivelas, trazendo no interior 2 ou 3 rolos de
película em 16 mm. Voltava para a Rodoviária, pegava o ônibus de volta, chegava
em Campina no fim da tarde. O filme era exibido à noite, e no dia seguinte
outro de nós refazia o mesmo trajeto, devolvia o filme e pagava o aluguel. E me
lembro que um dia um dos gêmeos (Rômulo ou Romero Azevedo) ficou preocupado
porque carregando a caixa na rua cheia de gente, bateu com ela e quebrou a
lanterna traseira de um carro estacionado. (Só falta agora aparecer o dono do
carro e cobrar a indenização.)
7
Eu
me lembro que logo no começo do Cineclube de Campina Grande a gente fez um
convênio com o Colégio das Damas (que tinha auditório e projetor) para fazer
sessões de Cinema de Arte ali. O primeiro filme exibido, depois de acaloradas
discussões diante dos panfletos das distribuidoras (que naquele momento só
tinham filme fraco) foi Ato de
Misericórdia, de Anatole Litvak, um filme de guerra preto-e-branco do qual
não lembro rigorosamente nada. O público deu algo em torno de 10 pagantes. Novas
discussões acaloradas, em que condenamos o elitismo de nossa escolha. Na semana
seguinte, passamos Louras, Morenas e
Ruivas, com Elvis Presley, e deu 5 pessoas.