Se o original demonstra
consciência da importância do ritmo e da melodia de uma frase, é preciso
valorizar essas coisas na mesma medida. Não são muitas as vezes em que se pode
conseguir. Mas sempre vale a pena procurar uma frase em português que tenha uma
extensão aproximada, a mesma cadência, a mesma montanha-russa de sílabas fortes
e fracas... e de preferência fechando a frase traduzida com um som que seja
quase uma rima toante, uma resposta à terminação da frase original.
Isso vale para todos os textos,
todos os escritores? Não. Só para a tradução de escritores que também escrevem
assim.
Tem escritores cuja escrita é
vagarosa, e tem que ser lida e assimilada vagarosamente pelo leitor. Nesses
casos a tradução precisa acompanhar esse ritmo, onde cada palavra tem um peso
maior.
E tem autores, no outro extremo,
cuja prosa é veloz, direta, porque menos mais do que a escolha individual de cada
palavra o que conta é a rapidez da imagem ou da situação que essas palavras
estão traçando. E o tradutor deve obedecer a essa rapidez, em vez de ficar
passando noites em claro por causa de um sinônimo perfeito, aqui ou ali.
É bom traduzir com esse tipo de
cadência em vista quando a prosa tem aquele ritmo encantatório, onde a
musicalidade pesa tanto quanto o significado direto das palavras. É preciso estar sentindo essa indução rítmica
o tempo todo. De uma certa forma visível mas inalcançável, a frase da tradução
tem que ter uma cadência parecida com a do original, de preferência meio que
rimando com ele.
Se o original termina um
parágrafo com três palavras curtas, convém usar três palavras curtas em
português, mesmo que a tradução mais fiel ao sentido pedisse quatro palavras
longas.
Se a frase se esvai de sentido
antes de acabar, é aconselhável manter essa dissolução.
Se no transcorrer da frase
aparece um termo científico pomposo que logo adiante sugere a alguém uma
expressão de gíria, manter esse paralelismo.
Se o autor usa um termo
estranho, reiteradamente, para se referir a algo, não se pode a cada vez trocar
isso por um sinônimo. Se é sempre a mesma palavra no original, deve ser sempre a
mesma palavra na tradução.
Traduzir é fazer algo que guarde
com o original numerosas características texto-topológicas, se bem me exprimo. A
verdade é que ninguém traduz palavras: traduz frase por frase. O tradutor lê
uma frase inteira no original e tem que produzir uma frase equivalente, mesmo
alterando as palavras do original, porque percebemos que naquele ponto era o
ritmo da frase a coisa mais importante na mente do autor.
É necessário esse esforço todo
somente para preservar algo da sonoridade do original?
Sim, se houve no autor original
a intenção de produzir algum tipo de efeito sonoro (ritmo, assonância,
aliteração, trocadilho, paralelismo, etc.).
Existem autores, talvez até uma
maioria nas camadas medianas da literatura, para quem o importante é dizer,
informar, contar, sem muita atenção para os aspectos “melódicos”, “harmônicos”
e “rítmicos” da prosa.
Para traduzir estes, não é
preciso ter tanto cuidado. Basta produzir uma prosa em português que não se
afaste muito do tipo de prosa produzido por eles.
Para os autores de prosa mais
cuidada, é preciso traduzir de uma maneira mais cuidada. É preciso fazer com
que a impressão deixada no leitor em português seja semelhante à impressão que
tem o leitor no idioma original.
Uma polêmica recente a este
respeito aconteceu em torno das recentes traduções de Dostoiévski, feitas
diretamente da língua russa. Durante anos, Dostoiévski foi traduzido no Brasil
por via das traduções francesas, de modo que o texto brasileiro seguia de perto
as escolhas verbais dos tradutores franceses.
Versões recentes feitas do russo
mostraram um Dostoiévski de estilo menos clássico e mais brusco, com uma
linguagem meio descuidada própria de quem escreve em folhetins, cheia de
hesitações, repetições, palavras meio rudes. Quando tudo isso é reproduzido pelo
tradutor brasileiro, o leitor acostumado com o Dostoiévski via francês acaba
estranhando. A tradução fica menos “literária”, mas é mais fiel.