(Alastair Reid, 1926-2014)
O escritor Jay Parini conta que certa vez, quando era bem jovem, ficou amigo do poeta e jornalista escocês Alastair Reid, que se ofereceu para comentar um poema dele. Parini conta:
Timidamente, coloquei meu poema na mesa da cozinha dele, entre potes de
geléia e canecas de chá, e me sentei. Não trocamos nem uma palavra, enquanto
ele riscava palavras e adicionava outras, com um lápis afiado. Mudou a posição
de algumas estrofes. Um novo título foi aplicado ao poema, seguido de um ponto
de interrogação. “Vá para casa e revise,” disse ele. “Volte amanhã com uma
versão nova”.
Alguns poetas pedem conselho, opinião, etc., mas
considerariam um verdadeiro sacrilégio que alguém desse ao poema deles esse
tratamento-de-choque.
Reid explicou que aprendeu esse método quando foi
secretário do grande Robert Graves, ao qual encomendaram uma tradução inglesa
de um livro latino de Suetônio. Graves propôs que o jovem Reid fizesse um
primeiro esboço da tradução, para ser corrigido por ele. E diz que
... ficava olhando, com considerável espanto, enquanto Graves pegava a
tradução que ele tinha considerado impecável e a melhorava, cortando adjetivos
exuberantes e os substituindo por substantivos mais fortes, eliminando
advérbios, achando verbos mais eloquentes.
E Reid explica:
É o único modo de aprender a escrever.
Reid era um poeta interessante, e transcrevo abaixo um
primeiro esboço de tradução de seu poema “A Curiosidade”.
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A
curiosidade
by Alastair Reid (trad. BT)
A curiosidade
pode ter morto o gato; ou talvez
o gato teve azar, ou ficou curioso
para ver como a morte era, por não ter mais
razões para lamber as patas ou produzir
cestos e cestos de gatinhos, previsivelmente.
Ainda assim, ser curioso
atrai muitos perigos. Desconfiar
do que se diz sempre, do que parece
fazer perguntas estranhas, interferir nos sonhos,
sair da casa, farejar ratos, ter premonições...
Isto não torna o gato bem vindo
naqueles ambientes caninos
onde cestos cheirosos, esposas firmes, boas refeições
são a ordem natural das coisas, para que prevaleça
a arte não-curiosa de balançar o rabo e a cabeça.
Encare os fatos. A curiosidade
não vai nunca nos matar,
e sim a falta dela.
Nunca querer olhar
o outro lado de um morro
ou aquele país improvável
onde a vida é um idílio
(ou provavelmente um inferno),
isso sim nos mataria.
Somente os curiosos têm, se sobrevivem, uma história
que valha a pena contar.
Dizem os cães: gatos amam demais, são irresponsáveis,
vivem mudando, cheios de esposas perdidas,
abandonam os filhos, espalham o tédio nos jantares
com histórias de suas sete vidas.
Bem; eles têm sorte. Deixem que eles tenham
suas sete vidas, suas contradições,
sua curiosidade por mudanças, e que se preparem para pagar
o preço de ser um gato, que é morrer
e morrer outra vez, seja como for
e cada uma delas sofrendo a mesma dor.
Uma minoria de um gato apenas
é tudo que podemos conseguir
para que falem a verdade.
E o que os gatos têm a dizer no
retorno de cada inferno
é isto: que morrer é coisa para os viventes,
que morrer é coisa para os amantes,
e que os cães mortos são aqueles que não sabem
que morrer é preciso se alguém quiser viver.