Que tamanho deve ter um conto? Os critérios editoriais definem a extensão de um texto pelo número de palavras. (Como ponto de referência, este artigo tem exatamente 979 palavras).
O mercado literário norte-americano, mais industrializado e
preciso do que o nosso, define quatro faixas de extensão:
Conto (“short story”), até 7.500
palavras
Noveleta (“novelette”), entre
7.500 e 17.500 palavras
Novela (“novella”), entre 17.500
e 40 mil palavras
Romance (“novel”), de 40 mil
palavras em diante
Dica: não tentem achar uma equivalência entre os termos
ingleses e os termos cognatos em português (novela, romance). Usamos palavras
parecidas para falar de coisas diferentes.
Edgar Allan Poe definiu o conto, de maneira pragmática e
intuitiva, como uma "narrativa curta, cuja leitura atenta requer de
meia-hora a uma ou duas horas."
Poe tinha em vista o que ele chamava de unidade de efeito. O conto deveria ser curto para não ser
interrompido. Deveria ser uma
experiência mental única, contínua, do começo até o fim, para que não se
diluíssem as tensões, e o desfecho tivesse toda a carga emocional preparada
pelo autor.
Curiosamente, a duração que ele preconizava para o conto é
aproximadamente a que tem um filme de longa-metragem no cinema comercial. E qualquer espectador de cinema mais exigente
sabe que a experiência de ver um filme na TV “quebra o efeito”, por causa dos
intervalos comerciais. Tanto um conto
quanto um filme devem ser, idealmente, uma experiência mental ininterrupta.
Isto se torna mais fácil quando praticamos o que chamamos de
“miniconto” (“short-short story”). Para
este não há um limite específico, mas em geral podemos considerar como
minicontos aqueles de duas páginas ou menos.
Algumas experiências vão mais além.
Revistas literárias de língua inglesa promovem de vez em quando
concursos para contos com apenas seis palavras.
O modelo para isto é um texto famoso atribuído a Ernest Hemingway, que
diz: "For sale: baby shoes, never worn" (“Vende-se: sapatos de bebê,
sem uso”). Há toda uma história de
tragédia familiar por trás deste minitexto.
O miniconto procura sugerir, já que não pode descrever ou
narrar muita coisa. Em oficinas
literárias ou de roteiro, vez por outra os alunos recebem esta tarefa: “Conte
sua história em uma frase. Depois, em dez linhas. Depois, em trinta linhas;
depois em 200 linhas”.
Quem for capaz de manter a precisão e a coerência ao longo
destas etapas provavelmente será capaz de escrever um roteiro de 120
páginas.
A concisão é uma virtude em declínio nesta época do mundo
eletrônico e seu espaço aparentemente sem limites. Antigamente, escrevíamos pensando no número
de toques por linha (eram 70) e no número de linhas por lauda (eram 30). Compactar qualquer história em seis palavras
nos traz de volta um pouco dessa antiga disciplina.
A revista Wired promoveu certa vez um concurso de
contos fantásticos e de ficção científica em seis palavras. Uma tarefa difícil, uma vez que é preciso
sugerir, além de uma história, uma ambientação com a qual o leitor, a
princípio, não tem familiaridade. Mesmo
assim, houve tentativas bem sucedidas. Como esta, de Eileen Gunn: “Computador?
Trouxemos baterias? Alô!
Computador? Computador?…” Não precisa mais nada para imaginarmos uma
nave silenciosamente à deriva no espaço, cheia de astronautas congelados.
Gregory Maguire propôs: “Nos
arranha-céus calcinados, homens criaram asas”. É um cenário pós-catástrofe, que lembra os
quadrinhos de super-heróis. Viagens no
tempo são um caminho interessante para estas narrativas super-rápidas. Harry Harrison propõe esta hipótese: “MÁQUINA CHEGA AO FUTURO. Ninguém lá...” Um recurso mais operacional, meio clichê
dentro do gênero, mas eficaz nas curtas dimensões do miniconto, é a historieta
de Alan Moore: “Tempo. Sem querer,
inventei máquina do.” E tem a
humorística hipótese de David Brin: “Dinossauros
retornam. Querem petróleo de volta”.
O interessante nestas experiências é o fato de que o autor
conta com a imaginação do leitor, sua capacidade de recorrer a um
banco-de-dados comum para preencher as lacunas, as partes não explicadas (não
dá para explicar muito em seis palavras).
As seis palavras funcionam como um cartum, criando uma
unidade de sentido que se percebe de um só relance, sem precisar ficar
esmiuçando “comos” e “por quês”. São
como um título de livro ou uma manchete de jornal: exigem que a gente seja capaz
de “já saber” e também de imaginar.
Outra publicação, a revista online Smith, lançou para
seus leitores um desafio parecido: contar em seis palavras a própria vida. As respostas foram muitas e variadas. O quesito verossimilhança ficou um pouco fora
de questão, pois os editores não poderiam checar se o que cada colaborador
afirmava de si próprio era verdade ou não – mas isto é o que menos
importa. Algumas sínteses foram
cronológicas e bem-humoradas, como a de Dick Hadfield: “Feto, filho, irmão, marido, pai, vegetal”. Outras foram visualmente eficazes: “Cabeça entre livros, pés sobre flores”
(Heather Thomson). Outras foram
pessimistas até a medula, como a auto-avaliação de Patsy Wheatcroft: “Época errada. Classe errada. Sexo errado”. Outras otimistas, como a de Peter Elvish: “Companheira fiel, amor, risadas... e
agora?”
Tem uma que dá um calafrio incômodo: “Quatro casamentos, três filhos, depois câncer” (Gillian
Johnson). E outra com um sabor de
volta-por-cima: “Atropelada duas vezes,
felizmente ainda viva” (Trudi Evans).
Steve MacMullen impressiona pela sobriedade e ausência de ambição: “Desposei namorada de infância. Filhos. Contente”.
Na verdade não se trata de esperar dos colaboradores uma
pequena façanha literária, apenas um poder de síntese satisfatório. Um tal de Patric se resume: “Nasci londrino, vivi fora, morri dentro”
(no original: “Born London, lived
elsewhere, died inside”). Jane Kirk
demonstra bom humor: “Príncipe no cavalo
branco nunca apareceu”.
O desabusado C. North afirma: “Nenhuma nota dez, mas virei milionário”. O esperançoso Sunny Tailor pergunta: “Alguma chance de começar de novo?” E John Ball confessa com resignação: “Trabalhei toda vida, ainda pago impostos”. E Alexandra Lackey diz: “Nada de romance tipo Jane Austen”.
Mas há um grande romance latente em cada meia-dúzia de
palavras, desde que bem escolhidas.
(Uma versão diferente
deste artigo foi publicada na revista Língua Portuguesa, da Editora
Segmento, São Paulo, em julho de 2009)