(ilustração: Greg Craola Simkins)
1
A medalha do santinho, cerrada com força na mão direita de
Luísa, durante a decolagem e aterrissagem, e a tentativa de não pensar numa
possível futura matéria de jornal registrando que na mão de uma das vítimas foi
encontrado uma medalha milagrosamente intacta.
2
Uma foto dela na carteira, apenas isto; uma foto de doçura
especial, foto que Maurício leva consigo para toda vez que tiver uma raiva dela
recorrer à foto e fazer a raiva passar mais depressa.
3
O botão de volume do rádio da sala, que Betinho ao abaixar
fazia o time jogar mal e ao aumentar jogar bem; de modo que o recurso era ir
aumentando de pouquinho até a mãe reclamar lá da cozinha, e então abaixar de
vez e depois passar looongos minutos aumentando de pouquinho a chances de gol e
vitória.
4
As sementes de romã mastigadas por Carlos na ceia do
réveillon, dobradas em papel laminado, guardadas com esperança na carteira
eternamente vazia.
5
O caldo de cana tomado à tarde por João Dias, naquela mesma
esquina, encostado no mesmo balcão, vendo as gerações passarem diante dos seus
olhos, cada vez que algo momentoso sucedia em sua vida, paixão nova, filho
nascendo, eleição ganha ou perdida, sucesso no trabalho, demissão, cedo ou
tarde ele dava um jeito de passar naquela rua, tomar aquele caldo, mesma
esquina, mesmo balcão, como fazia há mais de trinta anos, olhando, lembrando,
dizendo: “Eita mundo véio.”
6
Uma pedrinha qualquer achada na rua por Zuleika e guardada
no bolso durante anos, à qual ela atribuiu por-decreto poderes miraculosos, que
vem por outra se confirmavam.
7
O ritual que o dr. Amândio Correia executa para dar sorte,
todos os anos, no dia do seu aniversário, quando ele manda rezar uma missa em
honra dessa data na igreja próxima do engenho dos seus pais, onde ele foi
criado, e para essa missa ele traz os parentes mais próximos, parteira, padre
velho que o batizou, sacristão, um comício de gente, todos os anos sem falta
ele convoca e financia a vinda de todos, sendo que após a missa é servido um
lanche de biscoitos, salgadinhos e suco de maracujá aos presentes.
8
A água de coco gelada que para Jacira era tiro-e-queda
contra inveja, olho grande e língua ferina, e que a ajudou a chegar aos 92 anos
feliz como uma garota.
9
O gato que nas noites de verão miava pelas eiras e beiras do
telhado; quando Jorge menos esperava o felino aparecia, arauto da sorte,
mascote da magia, acordando as pessoas, e em noites assim, no andar abaixo do
seu, a vizinha do 203 escancarava a janela com estardalhaço, como quem manda um
sinal de fumaça privê, e o rapaz se sentia o dono do mundo, botava uma camisa,
um perfume, e descia pra bater baixinho na porta dela.
10
A frase cabalística, inventada por ela mesma a partir de
radicais e prefixos, que quando digitada no Google levava Ludmila sempre para
algum saite inesperado, misterioso e fascinante.
11
Uma camisa cor-de-baunilha com uma faixa larga horizontal
cor-de-maçã que um garoto de 16 anos usou na estréia do time no campeonato, que
terminou com vitória, obrigando-o moralmente a repetir a camisa em todas as
partidas da jornada invicta do time, até que no dia da decisão ele descobriu
com horror que ela tinha sido mandada à lavadeira, o que desencadeou uma
verdadeira operação de guerra até que a camisa úmida e amarfanhada foi trazida
de volta, vestida às pressas, e horas depois agitada em triunfo nos ares, na
comemoração do tão-sonhado título.