Produzir um romance escrito a quatro mãos por Neil Gaiman (o
criador de Sandman) e Terry Pratchett (o criador de Discworld) é um pouco
como conseguir uma turnê mundial de vários meses juntando duas grandes bandas
de rock. A questão não é tanto se os dois têm talento, é como fazer para que as
coisas que cada um sabe fazer melhor possam sobressair, e deixar impressão mais
forte do que a impressão de tédio inevitavelmente produzida pelos longos
períodos em que apenas uma faixa da audiência estará sendo satisfeita e subindo
pelas paredes, e os 90% restantes do público estejam achando aquilo sem pé nem
cabeça e perguntando: “Mas o que diabo isto está fazendo aqui, e com que
função?”.
Este romance em parceria é uma recontação da história famosa
de Damien (do filme Omen, a Profecia), o novo Anticristo, a quem cabia nascer
na família de um cônsul norte-americano (deixando-o a um grau de acesso ao
poder), protegido por um mastim infernal, e tornando-se o desencadeador do
Armagedon. No romance picaresco de Gaiman/Pratchett, dá-se a obrigatória troca
de bebês. Parece que nem a introdução dos clones no século 21 fez os
roteiristas pararem de escrever sobre troca de bebês. E o Anticristo vai parar numa família totalmente diferente.
O humor do livro, que envolve tudo quanto é categoria
religiosa e hermético-oculta, é uma espécie de O Pêndulo de Foucault com
material mais light mas com ambições dramatúrgicas mais amplas. Trata-se,
afinal, do Fim dos Tempos, conduzido pelo Anticristo e pelos Quatro Cavaleiros
do Apocalipse. Claro que há agentes do Bem e do Mal com variados motivos para
sabotar o evento (“Não Vai Ter Armagedon!”). Por sorte, dois dos mais
entusiasmados defensores da pecadora humanidade são um demônio (Crowley) e um
anjo (Azirafale) que conviveram conosco tempo bastante para entenderem que a
vida dos seres humanos de carne e osso é alguma coisa imensuravelmente mais
complicada do que conceitos como o Bem e o Mal – vistos naqueles termos.
Li pouca coisa de Terry Pratchett, mas imagino que haja mais
a mão dele do que a de Gaiman neste livro, cujos milhares de piadinhas
satirizando a vida inglesa lembram muito a série Discworld. É uma forma leve de
humor satírico e mordaz, como a série Mochileiro das Galáxias. Foi também a estréia de Gaiman no romance, e
certamente o ajudou a tentar a literatura. Nada de mau em ser roteirista de HQ,
mas quando um escritor tem qualidades de romancista é sempre bom ver os
resultados. Good Omens (1990) é divertido, mas Gaiman o superaria com
facilidade depois, principalmente com Neverwhere, American Gods, Graveyard
Book.