Meu pai colecionava dicionários, mantendo aliás uma
competição ferrenha com Átila Almeida, professor de matemática da UFPb e
pesquisador de cordel. Dois dos seus pais-dos-burros preferidos eram o Lello
Universal (que ele tinha na edição pequena, e eu décadas depois consegui na
grandona) e o Dicionário Prático Ilustrado de Jayme de Séguier, que era como
um amigo íntimo da família. Depois de muito manuseio ele resolveu encadernar o
Séguier, separando-o em dois volumes. O que me parece até hoje um sacrilégio,
mas ele gostava por isso mesmo, porque era prático.
Havia neles pranchas de página inteira mostrando só peixes,
ou só armas de fogo, ou só bandeiras, ou só esportes, ou só flagelos da
natureza. Outras mostravam um ambiente vasto, uma paisagem repleta de pessoas,
animais, plantas, utensílios, veículos... A legenda: “Austrália” ou “Floresta
Tropical”. O ilustrador compactava num
único quadro a óleo o DNA simbólico daquele país ou paisagem.
Walter Benjamin (“Livros Infantis Antigos e Esquecidos”,
1924) diz: “No final do século XVIII, aparecem livros ilustrados com a seguinte
característica: uma grande variedade de coisas, que não têm entre si qualquer
afinidade figural, são impressas numa única página. São objetos que começam com
a mesma letra: amora, âncora, agricultor, atlas. Os vocábulos correspondentes
são traduzidos em uma ou várias línguas estrangeiras. A tarefa do artista era
semelhante à do desenhista barroco quando combinava objetos alegóricos numa
escrita visual (...)”.
Eram aqueles retratos pintados por Arcimboldo: homens e
mulheres feitos de frutas, de pássaros, de flores. Lembra também o delírio do
“pirado” Ceferino de Cortázar (Rayuela), uma classificação das coisas do
mundo pelas suas cores, o que faz o narrador comentar: “Que realidade
deslumbrante (ou não) lhe mostrava cenas onde os ursos polares se moviam, em
imensos cenários de mármore, entre jasmins do Cabo? Ou corvos em ninhos sobre
um monte de carvão, com uma tulipa negra por cima...”