Existe um gênero de narrativa que poderíamos chamar
“Bandidos Negligentes Ofendem Sem Querer Pai-de-Família Pacato Transformando-o
Numa Verdadeira Máquina De Matar.” Acho que já vimos muita gente nesse tipo de
papel: Charles Bronson, Lee Marvin, Mel Gibson, Walter Matthau, Sylvester
Stallone, e por aí vai. É uma narrativa que sempre promete. A vingança é um
prato que se come frio, e é o melhor exemplo de violência auto-justificada no
universo da Literatura da Crueldade. Um malfeito grave, sofrido tempos atrás
(principalmente em contexto de covardia, contra pessoas indefesas, etc.)
justifica qualquer requinte sádico capaz de ocorrer ao Pai-de-Família Pacato
para aplicação nos culpados. Opção que ele nunca descarta.
Uma faísca disso que me apresentaram recentemente foi o
romance de Jean-Patrick Manchette, Le Petit Bleu de la Côte Ouest (1976).
Nele, Georges Gerfaut é um francês de trinta e poucos anos, casado, duas filhas
pequenas, caretão, executivo. Uma noite ele retorna de uma viagem de negócios e
vê na estrada um acidente banal, com um dos automóveis fugindo às pressas e o
outro se espatifando fora da estrada. Ele desce, traz para seu carro o
passageiro único do carro acidentado, visivelmente ferido e em choque. Gerfaut
deixa o homem na emergência de um hospital na vila mais próxima, mas só então
percebe que ele tinha sido baleado. Era uma execução, na qual ele se meteu sem
querer. O homem baleado acaba morrendo, mas nesse ponto a narrativa passa a
acompanhar os dois pistoleiros que estavam no outro carro. Eles conseguem
identificar quem ajudou a vítima (alguém havia anotado a placa de Gerfaut).
Começam aí dois movimentos contrários, como o ir e vir de um
pêndulo ou da katana de um samurai. No primeiro, mais longo, os dois assassinos
“fecham” sobre Gerfaut, para eliminá-lo, e quase o conseguem. Gravemente
ferido, ele é dado por desaparecido pela família, mas vai se recuperando dos
ferimentos num esconderijo remoto, com a mesma paciência de Augusto Matraga.
Quando fica bom, é localizado, e aí começa o movimento inverso: ele passa a
perseguir seus perseguidores.