O recentemente falecido autor de O Nome da Rosa tem sido
saudado na imprensa como um “Homem Renascentista”, igualmente capaz e talentoso
em numerosas atividades complexas, daquelas que em muitos casos basta apenas
uma para ocupar pelo resto da vida um intelecto robusto. Eu diria que Umberto
Eco pertenceu a um tipo de intelectual contemporâneo que herdou o humanismo
iluminista moderno mas sempre soube manter um olho atento para atividades ou
temas considerados menores. Não é todo “Renaissance Man” que escreve sobre
programas de TV, sobre orixás ou sobre torcidas de futebol. Os livros técnicos
de Eco são opacos para mim (tentei ler 200 vezes A Estrutura Ausente) mas nos
seus escritos para o leitor comum (como eu) ele é uma perfeita ilustração da
máxima de Isaac Asimov, de que quem pensa com clareza consegue escrever com
clareza.
Eco, daqui de onde o leio e observo, é um desses
intelectuais de ampla erudição que não perderam o senso de humor, o interesse
pelas coisas pequenas ou banais, a vocação lúdica, a capacidade fabulatória.
São capazes de rir com as banalidades do cotidiano; mas não é o riso “blasé” e
cínico de tantos pseudo-intelectuais de hoje, que se acham superiores ao seu
próprio país ou mesmo ao mundo inteiro. Para os intelectuais, o mundo é uma
fonte de diversão, de indignação, de prazer, de medo, de mistério. Vejo muito
do seu espírito em Raymond Queneau, diretor editorial da coleção “Pléiade”,
romancista (Zazie no Metrô), poeta, letrista de MPF (música popular
francesa), matemático amador, ex-surrealista, amante dos trocadilhos e dos
jogos verbais. Vejo-o em Julio Cortázar, capaz de construir pirâmides como O
Jogo da Amarelinha e ao mesmo tempo de criar seus “almanaques” de microtextos
e as divertidas Histórias de Cronópios e de Famas.