Obituários recentes de Umberto Eco louvam o romancista, o
semiólogo, o medievalista. Sem forçar muito a barra poderíamos louvar o
humorista também. Eco escreveu numerosos textos de humor, textos destinados a
extrair do leitor não a gargalhada, mas a risada, a risada de admiração, de
incredulidade, de malícia, de susto, qualquer uma. O humor produz uma reviravolta nas idéias (seja na lógica, seja na
imaginação, seja na pulsão emocional) e puxa o tapete do leitor, fá-lo traçar
no ar um zás-trás, e a risada é sua queda no chão. Um bom exemplo do humor de
Eco é o seu texto sobre editores explicando por que recusaram obras como a
Bíblia, a Recherche de Proust ou O Processo de Kafka.
No seu O Segundo Diário Mínimo (Record, 1994, trad. Sérgio
Flaksman) Eco propõe os “Anagramas a Posteriori”, teste que consiste em
baralhar as letras de um mesmo nome várias vezes, e “interpretar” os
resultados, fazendo uma descrição cabível do personagem correspondente. Um
calidoscópio de letras. O nome “Umberto Eco” é anagramado por Mário Giusti, que
sugere exemplos como “Bruce O’Moet (nacionalista irlandês exilado em Reims no
século XIX, fundador com Paul Chandon de uma célebre cave de champanhes)” ou
“Toro Ecumbe (campeão sul-americano dos meio-pesados em 1953)” ou até “Buc
Meteoro (personagem de histórias em quadrinhos dos anos 30)”. Os exemplos são
numerosos e impagáveis. O jogo (proposto por Giusti) é encampado por Eco e por
outros amigos, vira um torneio lúdico coletivo.
Não é humor narrativo, é humor enunciativo. No caso, com um
ludismo verbal que proporciona ao autor a chance de desenvolver redes de
associações verbais semiconscientes deflagradas pela junção de nomes próprios
que trazem alusões étnicas, ou históricas, ou regionalistas, etc. Isso é útil para quem, como romancista, tem
que em cada obra inventar dezenas de nomes de personagens, nomes que podem até
ser exóticos, mas precisam ser sempre nomes aceitáveis como de pessoas reais,
no universo descrito.