terça-feira, 12 de janeiro de 2016

4022) Poemas para o Quixote (13.1.2016)



Talvez sejam Dom Quixote e Sancho a dupla de personagens mais famosos da literatura, mais famosos até do que Sherlock Holmes e o dr. Watson, que a eles se assemelham. Desde 1605 e 1615, anos em que foram publicadas as duas partes do romance de Cervantes, viraram referências, símbolos, parâmetros. Em comemoração a esta última data, Carlos Newton Júnior compilou a antologia Poemas para Dom Quixote & Sancho (Recife, Editora UFPE, 2015), onde reúne poemas ou fragmentos de poemas de autores brasileiros e portugueses, do século 19 até nossos dias. Em alguns casos, são apenas menções passageiras numa obra que trata de outro assunto; em outros, a dupla de Cervantes é o foco principal do poema.

Além de vários poetas obscuros (para mim, pelo menos), a antologia traz versos de Machado de Assis, José Saramago, Ivan Junqueira, Cruz e Souza, Augusto Frederico Schmidt, vindo até autores mais recentes como Fausto Wolff, Alexei Bueno e Orides Fontela. De um modo geral, os poemas glosam os temas propostos por Cervantes; não cheguei a ver uma releitura, uma tentativa de dar uma nova versão dos personagens, a não ser no longo poema dramático “O amor de Dulcinéia” (1928) de Menotti del Picchia, que propõe um Sancho sonhador e um Quixote pragmático. Como regra geral, os autores aceitam a formulação de Cervantes e usam os personagens com a reiteração constante dos perfis que já conhecemos.

“De nós dois,” diz Carlos Drummond, “quem o louco verdadeiro? / O que, acordado, sonha doidamente? / O que, mesmo vendado, / vê o real e segue o sonho / de um doido pelas bruxas embruxado?”. A oposição maior entre os dois personagens é a polaridade sonho/não-sonho, glosada por quase todos os poetas. Ferreira Gullar diz: “Chamar-me de louco, ousas! / Loucos são todos, em suma: / uns, loucos por várias cousas, / outros por cousa nenhuma!”.  São, por assim dizer, poemas líricos sobre um tema épico, onde a grandiosidade do real e do sonho transparece em versos como os de Teixeira de Pascoaes: “A vida só é bela na montanha / só é bela no mar ou no deserto...”

Trechos de humor estão presentes, como quando Del Picchia descreve o cavaleiro montado em Rocinante como “um espeto em cima de um estrepe”, ou quando Drummond o faz exclamar: “Amigo Sancho, vai-te à merda!”.  Mas, por patéticos que sejam, os personagens são uma concentração inédita de vida, de sofrimento verdadeiro, de alegrias, de uma agitação fugaz não muito distante da nossa.  E o português João Manuel Simões adverte: “Considera, Sancho irmão / que é pouco, para viver, / todo o tempo que há no mundo. / Contudo, para morrer / (amarga constatação) / basta apenas um segundo.”