Uma das histórias mais antigas é a do jovem intelectual de província, cheios de sonhos literários (ou musicais, cinematográficos, etc.) que parte para a cidade grande e mergulha na vida boêmia, nas discussões estéticas e existenciais, e passa por experiências que, a depender de cada caso, o levarão à fama, ou às drogas, ou à fortuna, ou ao suicídio. Às vezes tudo isto junto.
Que
melhor exemplo do que o Dylan Thomas de Portrait of the Artist as a Young Dog (1940, http://tinyurl.com/oqml4hj), que
começa garoto, fotografando em contos curtos a vidinha interiorana do País de
Gales, e no final já está jornalista e poeta, frequentando puteiros, e se
preparando para seus voos internacionais futuros? Existe nele algo do Vivaldo
de Numa terra estranha (1962, http://tinyurl.com/nrtkpar)
em sua vida boêmia e meio sem rumo, e do (ator) Eric que foge para a França à
procura de um ambiente menos asfixiante.
Paris
foi um símbolo para uma geração inteira de norte-americanos, como James
Campbell descreve em Paris Interzone (1994, http://tinyurl.com/o6ux4mb). O maior
contingente era de escritores negros (como Baldwin), mais respeitados e mais bem
tratados na Europa do que em casa. Paris recebia com civilidade tanto negros
como homossexuais, e Baldwin sentiu-se duplamente em casa. E existia lá, ao
mesmo tempo, um ambiente receptivo para uma certa literatura de vanguarda como
a dos Textos para nada (1950-52, http://tinyurl.com/pbd2to9)
de Samuel Beckett. O livro de Campbell dedica longos e proveitosos capítulos a
editoras semiclandestinas como a Olympia Press, de Maurice Girodias, que
publicava romances pornográficos e no meio deles lançou, além de Beckett, a
primeira edição de Lolita de Nabokov.
Era
uma França pós-Guerra, invadida e conquistada pela cultura pop norte-americana,
o jazz, o romance policial, a ficção científica. Tudo isso convergiu para a
obra de sujeitos fascinantes como Boris Vian, que ganhou de Françoise Renaudot
a fotobiografia Il était une fois Boris Vian (1973, lido em julho). Vian
escreveu romances policiais fingindo-se de autor negro dos EUA (Vou cuspir no
seu túmulo, sob o nome de Vernon Sullivan), escreveu FC, foi membro do Collège
de Pataphysique, foi trumpetista de jazz, grande compositor de cançonetas
românticas ou satíricas. Sua vida e sua obra sintetizam essa época que, mais do
que qualquer outra, gravou na memória do tempo a imagem de uma Paris
libertária, igualitária, fraterna – mas somente nos cafés e nos bares onde
cineastas, existencialistas, negros americanos, romancistas argelinos e músicos
de jazz criaram uma república invisível das letras e das artes. (Continua)