As portas do bar se abrem para o frio da calçada, o asfalto molhado, as rajadas de água que os táxis projetam quando passam rasgando por cima das poças. Meu grupo sai pela porta aos empurrões, aos apertões, ao cambaleios, estamos eufóricos por estar juntos, quase todos falando ao mesmo tempo. Esse aqui, por exemplo, é Anexarzinho. É marceneiro, e não dirige carro. Tem pernas curtas; é aquilo que chamam de fração imprópria, vai ver que isso pesou. Não sabe ligar um Fusca. Por isso pra onde a rapaziada vai ele tem que arrumar lugar no carro de alguém.
O que é esse grupo falador com quem saio abraçado e meio
ébrio? Somos uma turma da terceira idade, gostamos da confraternização e da boa
música. Em nosso tempo, fazíamos um samba moderno. Nossa linha era o samba
intimista, o samba existencial, com laivos de Cartola e de Nelson Cavaquinho,
só que composto na estrutura de um samba-enredo, quer dizer, com uma estrutura
de muitas partes, cada qual com letra e melodia próprias, como aqueles velhos
sambas primordiais. Várias partes, um refrão recorrente. Em sambas-enredos,
mesmo os fakes como os nossos, o material tem que ser variado. Samba de rua tem
que ser feito pensando que aquele troço vai ser cantado durante horas, por
alguém a pé, no meio da rua, à frente de cinco mil pessoas cantando junto.
Começam as despedidas, os abraços, as trocas de cartões, as
admoestações finais, as gargalhadas cheias de bonomia. Uma banda onde a gente
tocou por dez anos, trinta anos atrás. É como uma visita que chegou, tornou-se
insuportável, mas voltou a ser do-coração depois que foi embora. Aí está
Babosa, o vocalista, astro maior das quarentonas ainda no páreo. Agora usa
colete. Vilto da Lanternagem é aquele, o do sete-cordas. O pandeiro, o
gordinho, é o Gordo Eliézer, dublê de serralheiro e filho de santo.