sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

3995) Noite de reencontro (12.12.2015)



As portas do bar se abrem para o frio da calçada, o asfalto molhado, as rajadas de água que os táxis projetam quando passam rasgando por cima das poças. Meu grupo sai pela porta aos empurrões, aos apertões, ao cambaleios, estamos eufóricos por estar juntos, quase todos falando ao mesmo tempo. Esse aqui, por exemplo, é Anexarzinho. É marceneiro, e não dirige carro. Tem pernas curtas; é aquilo que chamam de fração imprópria, vai ver que isso pesou. Não sabe ligar um Fusca. Por isso pra onde a rapaziada vai ele tem que arrumar lugar no carro de alguém.

O que é esse grupo falador com quem saio abraçado e meio ébrio? Somos uma turma da terceira idade, gostamos da confraternização e da boa música. Em nosso tempo, fazíamos um samba moderno. Nossa linha era o samba intimista, o samba existencial, com laivos de Cartola e de Nelson Cavaquinho, só que composto na estrutura de um samba-enredo, quer dizer, com uma estrutura de muitas partes, cada qual com letra e melodia próprias, como aqueles velhos sambas primordiais. Várias partes, um refrão recorrente. Em sambas-enredos, mesmo os fakes como os nossos, o material tem que ser variado. Samba de rua tem que ser feito pensando que aquele troço vai ser cantado durante horas, por alguém a pé, no meio da rua, à frente de cinco mil pessoas cantando junto.

Começam as despedidas, os abraços, as trocas de cartões, as admoestações finais, as gargalhadas cheias de bonomia. Uma banda onde a gente tocou por dez anos, trinta anos atrás. É como uma visita que chegou, tornou-se insuportável, mas voltou a ser do-coração depois que foi embora. Aí está Babosa, o vocalista, astro maior das quarentonas ainda no páreo. Agora usa colete. Vilto da Lanternagem é aquele, o do sete-cordas. O pandeiro, o gordinho, é o Gordo Eliézer, dublê de serralheiro e filho de santo.

Como sempre, os dois mais velhos estão afastados dos demais, mergulhados em altas discussões em voz baixa. Dinaldo Granja, o batera mais confiável do lado de cá do Beco das Garrafas, e o cavaquinho Diélson, irmão dele. Dois quengos finos, finos. Músicos de mão cheia, faziam direção musical, faziam tudo, cuidavam das finanças da banda. Ainda hoje, todos os direitos autorais e conexos nos chegam pelas mãos deles dois, pela razão-social que eles criaram. Ninguém guarda mágoas de ninguém, certo? A banda acabou, a vida continua, cada qual hoje tem seu ganha-pão. Podemos considerar uma vitória dos bons sentimentos o fato de ainda estarmos fazendo esse teatro de que somos amigos só porque estes paparazzi daqui desta rua, que Deus os conserve, são os únicos que continuam acreditando em nós.