“Não é somente no cinema que isto veio a se cristalizar como clichê, mas também na literatura,” disse Philip Marlowe, batendo a cinza do Camel num cinzeiro redondo de vidro. Levou o cigarro aos lábios, aspirou a fumaça, soltou-a em dois tubos paralelos, parodiando um touro enfurecido. “Nem todos os autores têm facilidade para preencher os tempos mortos de uma cena onde duas ou mais pessoas falam entre si. É preciso fazer com que essas pessoas interajam com o ambiente, façam algum gesto. Os outros personagens me servem bebidas, oferecem-me tabaco, e quando eu bebo eu acabo aceitando.”
“Pois eu não sabia o que fazer com as mãos,” disse James
Bond, cigarrilha no dedo. “Não era
disso que aquelas coadjuvantes se queixavam,” observou Miss Marple, firmemente
limitada ao seu chá de sempre. “Minha cara senhora,” disse Bond fazendo uma
curvatura risonha, “na mesa de jogo ou no leito amoroso geralmente já se sabe o
que se vai fazer. O problema, como nosso bom Marlowe assinalou, são os
bate-papos dos personagens. A ‘conversation piece’ dos nossos pintores.
Descrever o que alguém faz com o cigarro ajuda a intercalar as falas com algo
que contenta os olhos. Alguns leitores precisam dessas informações visuais mais
do que outros.”
“E alguns autores sabem fornecer isto melhor do que outros,
Mr. Bond, mas permita lembrar-lhe que nem só de cigarros vive a nossa estirpe,”
disse Sherlock Holmes, sugando repetidamente ao cachimbo de roseira-brava,
constatando-o de fogo morto, riscando um fósforo de cera, aplicando-o ao
fornilho inerte e vendo-o esbrasear-se e consumir-se quase que de dentro para
fora. “A proverbial nitidez e o proverbial claro-escuro de tudo que é ficção
vitoriana, sem dúvida”, disse Miss Marple, “sempre levando em conta, claro, que
quem viveu a era vitoriana desconhecia essa palavra e descreveria seu próprio
tempo, talvez, em termos muito diversos.”