Traduzir um romance é pesado, mas às vezes é mais fácil do que traduzir um poema de duas páginas. O que mais influi na tradução não é a mera quantidade de palavras, é a quantidade de regras ou de convenções que o original explora e que a tradução precisa seguir também. Suponhamos uma forma poética bem simples e conhecida: o soneto. Número fixo de linhas, número tradicional de sílabas por linha (dez, doze), questões de prosódia, de acentuação, de ritmo, de desenho melódico da frase. Tudo isso sem falar no lado significante do verso: aquilo que ele diz, seu chamado conteúdo manifesto.
Não é conteúdo,
é forma também. O fato de ser um soneto sobre um vagalume ou um haicai sobre
uma rã estão embutidos na forma, fazem parte imagística daquilo, tanto quanto
os sons de que o poema é feito. É interessante que a maioria dos leitores
percebe em primeiríssimo lugar o chamado “conteúdo” e só em alguns casos atenta
para os efeitos sonoros, que o tradutor tanto se esforçou para emular.
Rima, métrica,
cadência, variação sonora, conteúdo, algo vai ter que escapar por entre os
dedos do tradutor na hora de compor um equivalente. Eu acho quixotescas, por
exemplo, as tentativas de traduzir um poema em inglês usando em português a
mesma contagem de sílabas do original. Algumas línguas são de tendência
monossilábica, outras não. Inglês e português são línguas de cadência e
percussão opostas. O inglês é stacatto, cada nota é uma palavra, o português é
distributivo. Uma palavra inglesa é um anel, uma portuguesa é um colar de sílabas.
Veja-se essa beleza de verso de Shakespeare (King
John): “So foul a sky clears not without a storm”. “Um céu tão carregado não fica limpo sem
uma tempestade”. A imagem é bonita sem ser original. O que lhe dá força é a
cadência em inglês, implacável, dez sílabas, nove palavras, apenas uma palavra
de duas sílabas (“without”). Como reproduzir essa cadência em português? Não há
monossílabos adequados para dizer essa idéia e manter essa percussão rítmica.
Como dizem certos jogadores de futebol: “Fica complicado”.