Algumas histórias orais talvez sejam bobas como histórias, mas serviram para ancorar algumas das melodias mais nostálgicas da nossa tradição popular. O fato de termos hoje informantes e contadores de histórias gravados em áudio e vídeo torna possível preservar não apenas os versos, mas as melodias que surgem em muitos contos populares.
Penso por
exemplo na famosa história do estudante que matou sem querer o pavão do
professor e foi por este condenado à morte. Uma melodia penosa e carregada de
uma tragédia grega ancestral: “Papai de minh’alma, mamãe do meu coração... O
mestre faz comigo o que eu fiz com o pavão! O mestre faz comigo o que eu fiz
com o pavão.” As modulações de tom, a toada plangente, as repetições
tristonhas, tudo carrega a tristeza de quem já se sabe condenado sem remissão.
“Capineiros de
meu pai / não me cortem os cabelos...” É a história das meninas mortas (e
enterradas pela madrasta), cujos cabelos crescem com o mato e as fazem cantar
assim. De quem será essa melodia? De quem será a melodia de outra história de
que guardo fragmentos, onde uma criatura ameaçadora diz cantando: “Amarra teu
cachorrim, que Bobôca lá vai”. Bobôca
era uma espécie de A Cuca. E a heroína da história era uma menina chamada Bebé,
que cantarolava: “Bebé já comeu, Bebé já bebeu, Bebé já deitou, Bebé tá
dormindo...” Parece que o cachorrinho
era a proteção mágica dela contra a chegada de Bobôca, que devia ser uma
espécie de urso ou de Incrível Hulk.
Lá pelos trinta
anos descobri que algumas músicas, que eu considerava pura tradição oral, eram
composições de Braguinha, para os discos coloridos infantis tipo Chapeuzinho
Vermelho. “Pela estrada afora eu vou tão sozinha...” Parece folclore. Não por
querer parecer, mas porque é feito num espírito semelhante, de criar uma beleza
rápida sem muita complicação. A simplicidade longamente polida das soluções
musicais e letristas de Braguinha se assemelha à de Capiba em Pernambuco e
Caymmi na Bahia.