quinta-feira, 3 de setembro de 2015

3910) A cor de Lovecraft (4.9.2015)




(ilustração: Virgil Finlay)


Traduzi há pouco tempo, para uma antologia a sair pela Editora Poetisa (Santa Catarina) o conto “The Color Out of Space”, de H. P. Lovecraft.  Os meus contos favoritos dele são “O Chamado de Cthulhu” e “The Shadow Out of Time”, que me produziram os impactos iniciais, aqueles contos em que pela primeira vez entramos em contato com o universo e a imaginação de um autor. Mas “A Cor que Caiu do Espaço”, destrinchada linha por linha, é uma história que reúne “espíritos” de diferentes gêneros. Tem algo dos “tall tales” rurais, as histórias dos matutos a respeito de acontecimentos insólitos em seu interiorzinho pacato. Tem algo dos contos de FC que descrevem a chegada à Terra de alguma presença maligna. Tem algo dos contos góticos sobre uma sucessão de mortes inexplicáveis concentradas num grupo de pessoas, ou num local.  Tem algo daqueles contos cruéis em que coisas ruins acontecem a pessoas boas, e a única justificativa para isso é que o Universo nos vê com indiferença, ou, melhor dito, não nos vê.

Um meteoro cai sobre uma fazenda e sua substância misteriosa contamina ou mata tudo em redor, a água, a vegetação, os animais. E tudo adquire uma coloração que nunca havia sido vista pelo homem. A monstruosidade daquilo, segundo Lovecraft, não está na biologia de uma criatura, e sim na cor. Nas suas cartas desse ano (1927) HPL diz que se trata mais de um “estudo de atmosfera” do que de um conto, e tem razão. O destino dos personagens é previsível, mas o horror brota da cegueira deles em admitir o que lhes está acontecendo até que seja tarde demais, somente porque é algo que não têm como explicar.

É um ser semi-gasoso, reconhecível pela sua cor, uma cor nova, como o “flicts” cuja existência as câmeras da Nasa captaram na Lua e Ziraldo oficializou em livro. O que nos obriga a lembrar de outro famoso conto, desta vez de Ambrose Bierce (o criador de “Carcosa” e autor do Dicionário do Diabo), “The Damned Thing”, outra “história de fronteira” sobre um ser que não pode ser visto (mesmo quando está atacando e despedaçando um homem) porque sua cor não pode ser captada pelo olho humano.

Se tais cores pudessem ser produzidas geneticamente (p. ex., nos pelos de um animal) seria possível montar exércitos semi-invisíveis, ou, melhor ainda, atacantes solitários nessa condição, entrando e saindo num sistema “stealth” embutido em seu próprio DNA. O conto de horror de Lovecraft tem uma premissa pretensamente justificada pela óptica; não custa muito ver nele um precursor da “camisa mais feia do mundo” que William Gibson propõe em História Zero (Ed. Aleph, SP), a camisa tão feia que não é registrada por uma câmera de vigilância.