O cordel não é nordestino nem brasileiro. A produção de livrinhos minúsculos, contando histórias curtas e vendidos por quase nada, existiu na Europa muito antes de Leandro Gomes de Barros, na década de 1890, começar a imprimir e vender folhetos-de-feira no Recife. Na Inglaterra, os livrinhos eram chamados “chapbooks”, e eram muito parecidos com nossos folhetos. Duas diferenças principais: 1) o folheto nordestino é quase sempre em verso, e no chapbook inglês predominava a prosa; 2) no Nordeste usa-se uma ilustração (xilo, foto, etc.) apenas na capa, enquanto os chapbooks ingleses têm gravuras ilustrando o corpo do texto.
Os chapbooks eram vendidos também nas ruas e nas feiras. A
imagem tradicional do vendedor europeu o mostra trazendo ao pescoço, presa por
uma tira, uma daquelas “bandejas” de madeira cheia de livrinhos, apoiada à
barriga. É um utensílio que no Brasil se usa para vender balas e chicletes no
cinema. Cordelistas europeus dos anos 1700 ou 1800 andavam na rua como os
nossos “baleiros”, apregoando seus folhetos.
Daí vem o nome francês, “littérature de colportage”, “literatura
carregada ao pescoço”.
Já falei aqui sobre a coleção de cordéis de Samuel Pepys
(ver: http://tinyurl.com/qxuvle7). Uma
das minhas fontes de consulta preferidas é Chapbooks of the Eighteenth
Century de John Ashton (Skoob Books; a edição original é de 1882). É uma
antologia por amostragem, onde o autor coloca pequenos trechos de cada folheto
para dar uma idéia do texto e das ilustrações. O livro tem 486 páginas e
material de 103 folhetos, com centenas de ilustrações (foi daqui que tirei
quase todas as ilustrações do meu livro Os Martelos de Trupizupe, 2004).
O material inglês tem muitos temas em comum com o nosso
cordel: histórias maliciosas, aventuras de valentões, celebração de guerreiros
famosos, aventuras picarescas, histórias moralizantes, relatos de crimes de
grande repercussão, etc. Todo esse varejo de notícias reais, semi-reais e
inventadas que os franceses chamam de “fait divers” encontrou lugar nos
folhetinhos populares antes de vir a ocupar um espaço mais nobre em revistas e
jornais dos 1800. Nos folhetos,
conviveu com os poemas populares, as baladas celebrando crimes e eventos
extraordinários, a versificação de contos tradicionais, etc., matéria poética
que no Brasil veio a constituir o corpo principal dessa gigantesca indústria de
livros baratos e perecíveis.