(ilustração: Tim McDonagh)
O escritor Kazuo Ishiguro publicou o romance The Buried
Giant, que tem elementos do gênero fantasia, mas não o chamou de
“fantasia”. Caiu sobre ele a avalanche de críticas que cai sobre quem “fica em
cima do muro”, na política-partidária que tenta há anos se impor no meio
literário (“ou você assume que é um dos nossos e concorda conosco em tudo, ou
assume que é um deles e jamais concordaremos com você em coisa alguma”).
Problema que já acometeu Kurt Vonnegut Jr. (que ousou dizer que não era
escritor de ficção científica) e outros. O New Statesman colocou lado a lado
Ishiguro e Neil Gaiman para trocar idéias num diálogo que pode ser lido aqui: http://tinyurl.com/ob4zlzu.
Neil Gaiman é macaco velho neste mundo, mas Kazuo (que nunca
li, aliás) parece meio inseguro (essa foi infame) diante das leis do fandom.
Os
fãs exigem que o autor não apenas cultive o gênero, mas faça propaganda dele,
defendendo-o junto aos infiéis em geral, do jeito que um militante tem que defender
seu Partido. Ishiguro sabe que existem fórmulas nos gêneros, e dá um divertido
exemplo com os filmes de samurai japoneses:
“Quando cheguei à Grã-Bretanha aos cinco anos uma das coisas que me chocavam na cultura ocidental eram as cenas de lutas de espadas em filmes como Zorro. O que eu conhecia era a tradição dos samurais, onde toda habilidade e experiência converge para um único instante que separa ao vencedor e o perdedor, a vida e a morte. Toda a tradição samurai é a respeito disso: desde os mangá até filmes de arte como os de Kurosawa. É parte da magia e da tensão de uma luta, no que me diz respeito. Mas então eu via pessoas como Basil Rathbone como o xerife de Nottingham e Errol Flynn como Robin Hood e eles tinham longas conversas enquanto batiam com as espadas uma na outra, e a mão que não estava segurando a espada fazia uma espécie de gestos vagos no ar, e a idéia parecia ser a de conduzir o adversário até a beira de um precipício enquanto o distraía com um longo diálogo expositivo a respeito do enredo do filme. (...) Nos filmes de samurai, os dois oponentes se encaram durante um longo tempo, então acontece uma violência com a rapidez do relâmpago, e acabou.”
Para um
escritor, um gênero literário é uma caixa de ferramentas, um conjunto de
fórmulas e truques à sua escolha.
Para um fã, um gênero é um conjunto de rituais
a serem cumpridos, um conjunto de dogmas a reverenciar, um conjunto de
experiências gozosas que ele quer ver repetidas indefinidamente.