Toda essa luta para evitar o fim do livro não vai adiantar
muita coisa se as livrarias florescerem e se multiplicarem vendendo apenas o
tipo de livro que a gente encontra nas livrarias de aeroporto. Os best-sellers inevitáveis do ano, as
biografias de celebridades, os livros de conselhos para vendedores, livros para
administradores de empresa, livros religiosos, livros de cozinha, de viagens...
Não é impossível imaginar uma Distopia onde o livro vá de vento em popa e a
literatura esteja extinta. Na verdade, há motivos para supor que é isto o que está
em processo de criação, nas estratégias empresariais, em mais países do que me
atrevo a imaginar.
Criou-se uma falsa oposição entre, digamos, O Cão dos
Baskervilles de papel e O Cão dos Baskervilles eletrônico, quando na
verdade deveríamos ser gratos por termos pelo menos duas formas totalmente
diferentes de registro para preservar o texto de O Cão dos Baskervilles,
que ao fim e ao cabo é o que realmente importa. Os suportes tecnológicos acabam
sempre sendo superados por algo mais novo. O texto literário é alegria pra
sempre.
A luta pelo livro é importante por tudo quanto o livro de
papel representa de prático (portabilidade, autonomia, etc.) e simbólico, em
nossa cultura. De nada vai nos adiantar, contudo, focar a luta apenas no livro,
como se o fato de as pessoas passarem a comprar mais livros de papel fosse
resolver o problema. Comprar que livros, cara pálida? Como Parecer Menos Rico
e Viver em Paz? Os Onze Conselhos do Vendedor Bem Sucedido? As Memórias de Kim Kardashian? Ou obras de literatura? A literatura é mais
importante do que o livro. E basta ver como ela tem pouco espaço em nossos
cadernos culturais, geralmente voltados para a psicanálise, a história, as
ciências sociais, etc. A literatura (o
romance, o conto, a poesia) acaba sendo, ironicamente, a prima pobre das
publicações literárias.