(ilustração: Leszek Bujnowski)
Tonta era na verdade Antonia, uma amiga nossa que morava
perto da palhoça do “Buracão”. De vez em quando a gente ia fazer um pit-stop na
casa dela antes de ir para os shows no ginásio da AABB. Tonta era uma menina
ótima, topava todas, gostava de reunir a galera na casa dela para ouvir música.
E ela tinha um tio que tinha a mania de tocar nas coisas com um dedo. A gente
sentava na sala, uma turma de seis ou sete, ouvindo música, conversando,
abrindo uma latinha de cerveja; alguns iam para um terraço lateral, para
acender um cigarro sem empestar as cortinas. E daí a pouco o tio chegava.
Era um cara baixo e gordinho, irmão da mãe dela, solteirão,
aposentado precoce por motivos de saúde, passava o dia ouvindo rádio e fazendo
palavras cruzadas. Quando a sala se enchia de gente, ele vestia uma roupa
apresentável e vinha sentar num canto, discreto, sem interferir. Tonta dizia que ele se sentia melancólico e
achava os jovens muito alegres e bem humorados.
O problema era o cacoete. De início eu não reparei (ninguém
reparou), mas aos poucos fomos notando que ele levantava no meio da conversa,
ia andando como quem não quer nada, aí estendia a mão, tocava num vaso sobre a
mesa de centro, e voltava a sentar. Às
vezes, aproximava-se da gente para perguntar as horas ou algo assim, e tocava
no ombro da gente. Só comecei a me intrigar no dia em que ele alegou estar
vendo uma aranha na parede, arrastou uma cadeira, subiu nela e tocou numa foto
do Led Zeppelin que Tonta tinha pregado por cima da cristaleira.
Tonta explicou que era uma compulsão. De repente ele via uma coisa que já tinha
visto mil vezes e sentia uma pressão irresistível de tocar nela. Pra que? Ele
mesmo não sabia. Sabia somente que,
enquanto não tocasse, aquele comichão mental não o deixaria em paz. Não adiantava ir para o quarto, se trancar,
a coisa não passava. (Uma vez, quando
nos despedíamos à porta, ele veio do quarto correndo, tocou na mochila de
alguém, e voltou correndo pro quarto.)