(Susan Sontag)
Parece que cada escritor deixa, antes de morrer, um
documento em que repassa para as gerações futuras as lições que aprendeu
durante a vida. Sou um leitor atento de qualquer matéria que se intitule “Dicas
Literárias” ou “Conselhos de um Escritor Profissional”. Não porque imagine
descobrir ali a meia dúzia de fórmulas mágicas que irão me tirar dos meus
próprios atoleiros: por definição, um atoleiro literário é um lugar de onde só
se sai sozinho. Mas me consola pensar
que os lamaçais onde encalho já foram visitados por gente melhor do que eu.
Nem todo conselho de escritor se refere a sintaxe ou estilo.
Um dos mais úteis que conheço é o da
desconhecida (para mim) Helen Dunmore: “Um problema num texto geralmente fica
mais claro se você faz uma longa caminhada.”
É uma grande verdade, embora estilisticamente confusa, pois ela devia
ter dito: “Sua mente fica mais apta a resolver problemas de texto se estiver
recebendo a irrigação sanguínea e os hormônios positivos que uma boa caminhada
costuma produzir.” Chico Buarque diz que
costuma compor suas letras cantarolando mentalmente enquanto caminha, e a prova
é que as letras dele são tão boas quanto as minhas.
Escrever é na verdade uma tarefa complexa, que levou Susan
Sontag a dizer que ela é exercida por quatro “pessoinhas” que temos dentro de
nós: 1) o maluco ou obcecado; 2) o idiota; 3) o estilista; 4) o crítico. Segundo
ela, o maluco fornece o material, o idiota o executa, o estilista fornece o bom
gosto e o crítico fornece a inteligência.
Ela chega a aduzir que, na falta do 3 e do 4, mesmos os dois primeiros
são capazes de produzir um texto publicável.
Ou seja: não basta a correção, o “seguir o Manual”. É preciso injetar na escrita uma energia extra, uma descarga além-da-conta de força criativa. Isso não significa, de modo algum, uma superabundância de palavras ou de efeitos. Às vezes, basta uma frase com grande concentração de sentido para produzir um efeito que seria diluído, por um escritor menos hábil, em um parágrafo inteiro de redundâncias. A escrita energética brota muitas vezes de conflitos entre as palavras, de um texto cheio de elementos contraditórios ou inusitados, que faça o leitor pensar, que obrigue o leitor a uma parceria, que produza na mente do leitor um efeito de excitação semelhante ao que ele teria fazendo uma longa caminhada.