E os extremistas mataram Wolinski, o único cartunista francês cujo nome e cujo traço eu sabia de cor. Conheci a obra dele lá por 1980, em Olinda, quando eu me asilava na casa de Paulo Santos de Oliveira, perto do Alto da Sé. Paulo era cartunista (hoje é romancista: A Noiva da Revolução) e junto à sua prancheta havia uma estante cheia de álbuns trazidos das andanças européias. Wolinski tinha aquele traço minimalista e acelerado que Henfil, entre nós, levou aos píncaros mais delirantes. Seu personagem típico era um cara careca de nariz batatudo, queixo noel-rosa, sempre cercado por sereias vulcânicas que ou se recusavam ao sexo com ele ou se ofereciam sem que ele percebesse. A sacanagem de Wolinski nada tinha da nossa sacanagem moreno-tropical, era o mundo daqueles magrelos e branquelos franceses, discutindo Godard ou Sartre mas pensando o tempo todo naquilo. Me identifiquei no ato.
Depois
saíram álbuns dele aqui, pela Editora Três, se não me engano. Foi um alívio,
porque o francês daqueles baluns era um dialeto críptico muito diferente do
francês do “Cahiers do Cinéma”, que eu conseguia decifrar às apalpadelas. O
humor era escrachado, e, pro meu temperamento cauteloso, ousado demais. Nem a turma do Pasquim pegava tão pesado
quanto o daquelas publicações, o Charlie Hebdo, o Canard Enchainé, o Echo
des Savanes, outros nomes que agora me vêm brotando na memória, por entre a
fuzilaria.
Quando
o sujeito passa 50 anos satirizando Deus e o Mundo, um destes dois acaba
reagindo. Em geral não é Deus. Vi uma
piada ótima na esteira do massacre, um twitter em inglês dizendo: “Eu sou Deus
Todo Poderoso, sou Onisciente e Onipresente, o criador dos Tempos e dos Espaços,
e posso muito bem aguentar uma porra duma piada”. Já o Mundo, infelizmente, não
tem o mesmo senso de humor do Pai Eterno. Não sei ainda (alguém chegará um dia
a saber?) se os assassinos são fanáticos ressentidos ou se são paus-mandados
para apimentar uma crise geopolítica. Ou uma terceira coisa, ainda pior que
estas duas. Mas é no meu artista que penso, o artista cujo rosto só vi, pela
primeira vez, nos necrológios.