Fiquei matutando numa coluna de L. F. Verissimo. Dizia ele:
“O compositor e crítico de música Virgil Thomson (americano, 1896-1989) se divertia com o fato de que, na Espanha, as crianças brincavam de tourada sempre em três: um fazendo o papel do touro; outro, o do toureiro; e um terceiro gritando “Olé!” Os papéis podiam ser trocados, claro, mas as funções não mudavam: um touro, um toureiro e um espectador, que Thomson preferia ver como um representante do público — ou da crítica.”
Verissimo
lembra que a obra de arte não é só o diálogo entre o artista e o espectador (ou
leitor), mas a relação triangular que envolve também a crítica. Mas a imagem
que ele usou ficou me remoendo o juízo até que lembrei o que é que ela me
lembrava.
Era esse trecho de “A busca de
Averroés”, um dos melhores contos de Jorge Luís Borges (em “O Aleph”). Averroés era o grande erudito árabe que viveu
na Espanha, e Borges tenta reconstituir alguns dias de sua vida neste
conto. A certa altura ele diz:
“Foi distraído de suas distrações eruditas por uma espécie de cantilena. Olhou através das grades da varanda: lá embaixo, no pátio de terra batida, meninos seminus brincavam. Um deles, equilibrando-se nos ombros de outro, estava brincando de ser um muezim: com os olhos cerrados, entoava o canto monótono do muezim: não existe Deus senão Alá. O garoto firme e imóvel que o suportava sobre os ombros era a torre de onde ele salmodiava; outro, ajoelhado, prosternando-se na areia, era a congregação dos fiéis. A brincadeira não durou muito: todos queriam ser o muezim, nenhum queria ser a congregação ou a torre.”