Ele será parido e paparicado por uma sacerdotisa ou princesa
de não-sei-que clã. Será a promessa messiânica da futura ponta de um iceberg
heráldico. Vai brotar num mar de lama e esqualos, onde os brasões se empurram
disputando espaço à luz da História. Ele nascerá infante, vermelho, franzido,
berrante, friorento e finalmente aconchegado. Nada o distingue dos outros,
afora o sobrenome, e por causa deste será visto como um prodígio.
Ele será treinado nas artes, nas ciências, nas linguagens,
nas cerimônias. Será o ponto focal da herança de mil técnicas remotas que não
se pode permitir que se percam, e que têm que ser transmitidas a cada herdeiro,
a cada delfim, a cada primogênito que um dia se assentará no trono e despachará
com os ministros da corte. Quando se formar nele a noção do “Eu”, formar-se-á
conjuntamente a de cumprir uma Missão, a de desempenhar um Papel.
Ele será festejado, ao chegar, com girândolas e orquestras.
Será coroado, condecorado, benzido, aspergido, aclamado por entre batalhões em
trajes de gala e dignitários de cinco continentes, comparecerá a missas e
cultos, descerrará placas comemorativas, partirá fitas simbólicas, comandará
banquetes e coquetéis. É como se o mundo
ocidental inteiro estivesse vendo, estivesse acompanhando, estivesse sabendo em
tempo real o que ele realiza. Voltará
para o hotel cercado de seguranças. A luz se apagará. Depois que a luz se apaga, todos os travesseiros
são iguais.
Ele reinará com uma mão de ferro e uma mão de ouro. Empunhará a caneta que prende e que solta, a
cruz que profere bênçãos e excomunhões, a espada que sagra cavaleiros e
decapita traidores. E se
transformará (foi este o mundo que nos
coube, por castigo ou prêmio) num especialista nas artes de vender e de
comprar. O poder é isto, pensará ele, ser capaz de examinar vidas alheias,
deslizes alheios, e ser capaz de condená-los sem nada sentir. O Poder é poder
estar do lado de fora de tudo: “sei o que vai acontecer mas não tenho nada a
ver com o fato de que uma coisa assim aconteça.”