domingo, 26 de outubro de 2014

3641) A catedral gótica (26.10.2014)




Um país é como uma catedral gótica que está em construção há séculos. O “pobrema” é quando uma nova equipe assume o projeto. Resolve continuá-lo. Só que agora vai ser um edifício-garagem.  Mais algumas décadas, nova troca de comando.  Surge uma idéia brilhante: por que não transformar aquele edifício-garagem num heliporto?  E por aí vai.  Quando séculos depois a equipe primordial reassume o controle tem que explicar como alegoria cristã todos aqueles penduricalhos arquitetônicos, que à primeira vista parecem não ter nada a ver com catedrais. A doutrina, a teoria, tem que bater com a realidade.  Quando a realidade se mostra irredutível, não custa nada a teoria dar a volta ao quarteirão e trazer um novo aprouche.



Imagine o velho Oeste americano, as imensidões do Vale da Morte ou Monument Valley, aquela horizonte árido e aquelas formações geológicas impudentes, “cheguei”, tão reconhecíveis quanto uma assinatura num cheque.  Parece um trecho do país construído em mandatos sucessivos por dois partidos que eram não apenas politicamente antagonistas, mas esteticamente jurados de morte.  Tudo lhes era permitido no poder, menos destruir o que o outro conjurou.  (Na China, a solução de cada um era avançar a muralha mais para a esquerda. Mais para a direita.)



Pode um país ser tocado pra frente assim?  Meu amigo – você está preparado para escutar a resposta?  Pois tanto pode como vai.  Tanto pode como vem sendo tocado assim há muito tempo, desde antes de qualquer um de nós aqui se entender de gente.  Todos os países assim são tocados. Uns resvalam pra guerra civil, outros pra economia de mercado, e não se sabe qual dos dois teve mais sorte, ou menos.



Vejam só.  Atravessei a catedral gótica e no meio dela não tinha um altar. Tinha um bloco de pedra com uma porta.  Abri-a – e não vi nada do lado de lá.  Eu ia dizer para não incendiar a cidade conquistada, porque o poder é uma mistura de mil teorias das conspirações e um bilhão de desconfianças.  Talvez seja esta, na História da Humanidade, a primeira geração em que nerds de 50 anos estão no Poder.  Cinquentões cobertos de acne e sardas, dispostos a devolver com juros tudo que sofreram. 


Nerds grisalhos em posição de mandar em conglomerados bancários, equipes científicas, telecomunicações, mercados, em tudo que um nerd gosta.  Não são os Homens de Preto, embora haja muitos cidadãos assim trajados.  O espetáculo é vibrante, e eles o assistem das coxias, paralelos ao palco, fumando um cigarro (o teatro é deles) de vez em quando afastando a beira da cortina e olhando para nós, aqui nesta abóbada, nesta platéia que não tem mais fim, não tem mais fim, não tem mais fim.