Uma gíria é um apelido numa coisa que já tinha nome.
Linguagem para uso interno, que se espalha por ouvidos e bocas de
desconhecidos, chega ao rádio e à TV, vai parar no dicionário. Acho que também
toda família tem gírias internas, tem palavras inventadas ou redefinidas,
termos meio absurdos que só fazem sentido para as pessoas que moram naquela
casa.
Um dos termos mais curiosos que já vi foi, num estúdio de
gravação, um bando de músicos discutindo um arranjo e usando o termo
“carrapateira”, onomatopéia pura, para descrever um riff instrumental.
Muitas gírias musicais têm essa intenção de
onomatopéia, um cascatear de sons. O famoso samba-enredo do Império Serrano,
“Bumbum Paticumbum Prugurundum”, surgiu de uma tentativa de descrever para
alguém como era uma das batidas básicas do samba.
No meio musical circulou durante muito tempo o termo “chacundum”
para designar certo tipo de música dançante e padronizada.
Músicos chamam de “gig” (pronuncia-se GUÍ-gue) qualquer
trabalho, tarefa, contrato, viagem. De
início pensei que era alusão às viagens aéreas, pois a sigla do aeroporto do
Galeão, no Rio, é “GIG”. Depois
descobri que já era usada entre músicos de jazz, quando o Galeão nem existia.
“Terça-feira eu tenho uma gig em Belo Horizonte mas na quarta de tarde estou de
volta.”
Para a turma de teatro, branco é a amnésia súbita que se
sente no palco, diante do público, quando nos foge da memória um texto mil
vezes repetido; bife é um trecho longo a ser dito pelo ator do começo ao fim,
um parágrafo que ocupa grande espaço
semirretangular na página; merda é uma exclamação de “boa sorte!” antes de uma
apresentação qualquer. (Em inglês, atores dizem antes da cortina abrir: “break
a leg, quebrem a perna!”. Uma maneira de exorcizar o azar dizendo o contrário
do que se pretende.)
A gíria de um grupo é um pouco como aqueles segredos
gastronômicos a que só uns poucos têm acesso. Quem vem de fora diz: “não quero
jantar nos lugares para turistas, quero comer onde vocês comem”.
Todo grupo tem
sua linguagem das-internas só conhecida de quem faz parte. O grupo se expande,
sua ação se multiplica, começam a crescer a bolha do conhecimento indireto à
sua volta: histórias, relatos, pistas de seus hábitos e atitudes. O grupo fica
conhecido, começa a ser admirado, cobiçado, endeusado, mal entendido.
Quem vem
de fora do grupo apressa-se a usar, forçoso, as gírias do grupo para mostrar
que está enturmado, sabe das coisas. Certos termos de gíria funcionam como um
“xibolete”, teste de familiaridade com a língua no qual uns passam e outros
não. A ansiedade em se fazer “de casa” indica quem não é bem dela.