terça-feira, 8 de julho de 2014

3545) Torcida de Copa (8.7.2014)



De quatro em quatro anos, um curioso fervilhar de criaturas emerge das dobras do tecido social da Nação: os torcedores de Copa. Pouco entendem de futebol. Assistem aquilo como eu assisto hóquei-sobre-patins. Em todos os lares brasileiros brotam tias, avós, cunhados, vizinhos, a criançada, aquelas legiões de leigos sem clube que na Copa se lembram de que é preciso torcer pela Pátria.  Com a gentrificação do futebol, a cada década um comércio mais caro e mais ferrenhamente imposto à população, essa torcida passou a invadir os estádios onde as Copas do Mundo são disputadas.  É gente que jamais pisaria numa geral do Maracanã. (Como somos velhos, todos nós... somos do tempo em que havia geral no Maracanã.)

Disse na semana passada Bob Fernandes, no websaite Terra: “Dúvidas, muitas dúvidas. Como essas senhoras e senhoritas conseguirão pular, saltar, vibrar nas arquibancadas com tanto salto 12? Sob o escaldante sol do Ceará resistirão as maquiagens, o gel dos rapazes e dos senhores?” Os neo-torcedores são incapazes de reconhecer um time pelo seu escudo, mas adoram comemorar gols. Gostam de se fantasiar, de dançar, de tirar fotos. São as meninas lindas e esfuziantes que passam o ano inteiro voando Brasil afora, de norte a sul, para participar de carnavais fora de época; a turma que pode dar não-sei-quantos-mil reais num abadá de bloco. Não vão à arquibancada para torcer, vão na esperança de aparecer no telão, de receber tuítes: “Amiga, arrasou nesse modelito!!!”.  Para a turma-que-pode-pagar-mais-caro, o país é uma festa móvel, um réveillon sem fim, e agora, vejam só, Copa do Mundo no Brasil, a possibilidade de fazer parte de uma coisa que está sendo assistida com inveja de Miami a Bariloche! 

No extremo oposto, temos os torcedores calejados, que entendem de futebol sim, que torcem sim, que conhecem até o roupeiro do time, que podem recitar de cor cinquenta escalações diferentes de seu clube, até mesmo de antes deles próprios terem nascido. E olhe, não me refiro aos “hooligans”, aos que vão para brigar; me refiro aos torcedores que apenas torcem, que estão lá sinceramente por amor ao time, mas é um amor meio shakespeariano, que corre o risco de transbordar em sangue derramado. Viajam passando fome, se endividam, dormem na rua, levam garrafada na cabeça, mas torcem, gritam, ululam, enrouquecem e enlouquecem durante 90 minutos porque é sua forma de entrar em campo e ajudar a bola a transpor a linha fatal.

Claro, são duas caricaturas, dois extremos da escala. Mas qual dos dois está certo, qual está errado? Qual dos dois deveria ser extinto para que só o outro prevalecesse?  Qual dos dois é o Brasil?