Era uma vez um planeta (o nosso) que era oco. Alguma coisa
nas suas convulsões geológicas o deixara assim, e a velocidade com que girava
tornava possível haver oceanos, continentes e mares não apenas no exterior da
sua crosta sólida, mas na face interior dela também. O oco interno era iluminado por um sol central de intensidade,
tamanho, massa e variação cromática ideais.
Foram os homens de dentro, que em sua expansão, povoaram
pela primeira vez o mundo de fora, até então entregue a feras descomunais.
Brotaram do Polo Norte e desceram rumo a terras mais quentes. Alguns morriam
com facilidade ao se aproximarem delas, mas outros pareciam despertar, redobrar
de vigor. Ali se fincaram, ali esqueceram o trajeto dos seus ancestrais
remotos. Pensavam mais na sobrevivência do que em ficar recitando as crônicas
históricas de um mundo que não conheciam e de cuja existência não faziam
questão.
Acostumados ao sol unânime e central do mundo de dentro,
eles estranharam o mundo de fora. O sol girava sem parar, erguendo-se no
primeiro abismo e pondo-se no último. Um sol rodopiante, descontrolado, num
mundo sem paredes. E nas horas em que o
sol sumia, vinham horas espantosas cheias de terrores e constelações. E a
tentativa de justificar a presença daqueles pontos de luz através de esferas,
dentro de esferas, dentro de esferas, cada qual girando sobre si própria.
Existem pessoas que preferem um sol único, fixo, inalterável
em si mesmo, podendo apenas ser oculto por invernos inteiros, mas confiadamente
ali, onde sempre esteve e onde sempre deveria estar. Um mundo em forma de esfera fechada. O que dizer das crises
filosóficas de gerações de escribas teologais da Terra de Dentro, no século em
que emergiram do outro lado do Poço, e descobriram que estavam pisando a
superfície de uma esfera aberta?